«O título do livro pensara nele enquanto olhava fixamente para a montra de uma pastelaria cheia de porquinhos de maçapão. Há já algum tempo que eu andava interessada na questão do canibalismo simbólico.Na altura, eram os bolos de casamento, encimados pelos seus noivos de açúcar, que muito em particular me fascinavam», Margaret Atwood
Tenho andado armada em procrastinadora. A mudança está perto e tenho evitado a hora de encaixotar o que vai povoar a minha nova vida. O corte de cabelo desenhou-se hoje. É verdade, eu encaixo no cliché: sou daquelas mulheres que sente ânsias de cortar o cabelo para assinalar uma mudança.
Amanhã não há como fugir. No último dia do ano, vou seleccionar os companheiros que me vão dar colinho no novo código postal. Num caixote irei depositar os livros que me irão mimar os neurónios longe do território familiar.
Tenho muita arrumação pela frente. Arrumações em várias frentes. Estou a caminho de cumprir o que tenho de ser. Estou mais perto de mim. Mas, durante uns tempos, vou ser descendente da mitologia romana. Vou sentir-me Jano. Ai vou, vou.
«Menina, pensa no futuro». Sempre, sempre, sempre. Os outros estão sempre a impor-nos futuro, futurologia. «O que queres ser quando fores grande? Onde queres passar as férias? Quando arranjas namorado? Quando casas? Quando tens filhos? Quando tens netos? Vais querer ser enterrado ou cremado? Como gostarias que te recordassem?»
Tu dás-me presente. E é isso que quero de ti. A tua presença, quando nos apetece. Contigo não me aprisiono nem ao sonho, nem à desilusão. Não quero que o futuro venha a correr, nem que o passado me agarre. Sabemos que o que temos é uma intermitência, uma doce fragilidade.
Preciso do parêntesis onde nos colocamos, desta barragem contra o futuro. Não falamos no vindouro, nem no passado. Deixamo-nos ir. Não esqueço as tuas mãos a taparem-me a boca, como quem diz: «Não metas filtros, silencia o teu censor, sente apenas. Sente-me». E eu deixo-me ir. Por não te esperar, por nada esperar de ti, tenho-te.
Amanhã vou surpreender-te. Falar-te-ei de futuro. Porque irei mudar, mudar-me. E vou continuar a querer presente e não melancolia ou ansiedade. Sei que a distância geográfica vai inibir-nos a espontaneidade. A lonjura vai fazer-nos pensar em futuro de tanto presente passado um com o outro. À distância resta-nos um caminho: um passo à frente ou um passo atrás. Vou antecipar-te e dar um passo atrás. Coisas de quem precisa de proteger o miocárdio (que seja).
Comigo longe, já não vais poder ligar-me a dizer que daí a 15 minutos vais passar por perto e que queres ser comigo. Os teus lábios não vão procurar os meus, ansiosos por um silente diálogo. Nem eu vou perguntar-te se estás pelo hospital e se podes descer até ao bar para um café nos tomar os gestos. Nem tu, de seguida, me convidarás para jantarmos juntos, dilatando a pausa no trabalho. Tu estás habituado a lidar com o presente. Interessa-te o aqui e agora do doente. Trazes contigo a urgência do agir. Sabes a exacta medida de um minuto, quando sais ao serviço do INEM. Estás habituado a ter vida entre as mãos. Por isso gosto tanto de sentir a palma da minha mão entregue à tua.
É perante o passado que eu ajoelho a minha vida. As escavações arqueológicas acendem-me o olhar. Tu gostas de mim assim, com pó nas veias e mãos na compreensão. Até já topaste o meu tique de, volta e meia, ao conversarmos ou ao caminharmos na rua, eu teimar em olhar para trás. Atribuis as minhas frequentes dores de barriga a uma congestão de passado. Lanças-me o teu humor: «Ó minha Cleópatra, lá estás tu com as tuas melan…cólicas!»
Amanhã. Amanhã, vou dar-te um abraço e sussurrarei aquela frase que sublinhaste no livro que tens na mesa de cabeceira: ‘Se jamais dois forem um, então nós’. Amanhã, irei atirar-te com o Antigo Egipto. Depositar-te-ei nas mãos aquele escaravelho de ouro que encontrei num antiquário, na rua onde, pela primeira vez, os nossos dedos se entrelaçaram como rede de pescar ternura.
Vou mentir-te. Vou dizer-te que te ofereço o escaravelho apenas por ser giro (ai como tu detestas esse adjectivo!). Vais ficar a olhar para o escaravelho, com a sobrancelha direita arqueada a censurar-me por ter gasto tanto dinheiro num objecto em ouro. Sei que a tua curiosidade irá chegar à simbologia.
Com o escaravelho irei pôr-te nas mãos a eternidade.
Agora, tão agora, sinto-me cobarde por não te conjugar no futuro.
Isto é indecente. Digo eu, filha de uma doente com cancro colo-rectal.
Não se podem esperar meses, quando o organismo dá sinal de alerta. A minha mãe não esperou. Foi à urgência hospitalar, mas como não apresentava sangue nas fezes não lhe foi feita uma colonoscopia. Não podia esperar meses, prostrada na cama com cólicas abdominais insuportáveis. Fui a uma clínica privada marcar a colonoscopia. Numa sexta-feira foi feita a biópsia. Na segunda-feira veio o resultado. E nesse mesmo dia o gastroenterologista, que trabalha para o privado, mas também no hospital público da área de residência, procedeu ao internamento da minha mãe. Na quinta-feira seguinte foi operada. Ainda havia alguma coisa a fazer. E se esperasse meses?
«O amor. É um nicho no qual nos enroscamos? É um pedaço de universo sobre o qual reinamos? É um vago arranjo? Um contrato para dar remédio à solidão? É a descoberta de um lugar desconhecido? É a exploração de uma vida? É a procura de um duplo? De uma outra metade que um Deus amador de puzzles tivesse escondido? É uma aposta? A busca de uma unidade perdida? Datada de quando? Instaurada por quem? É um espelho? Uma recordação de infância? Uma ideia de felicidade? Um sonho? É uma doce inquietude? Uma paixão? A guerra? É uma ideia da perfeição? Pensamos nele ao morrer? É uma perdição? A negação de si? É um desespero? Uma religião? É o cumprimento de um programa? Genético? Cósmico? É a santidade? É uma maldição? Um corpo a estreitar? Uma alma a adivinhar? É um pedaço de espaço/tempo acelerado? Ou a paragem do tempo? Ou o fim do espaço? É uma equação a resolver? Uma dição de qualidades e de belezas? Uma antimatéria? Um mundo do avesso? Um aspirador de sentimentos? Um buraco negro do espaço? A outra face de uma galáxia? É um acaso? Um silício emotivo? Uma carícia que não tem fim? Um poema para viver? Um nascimento e uma morte misturados? O início da eternidade? Um labirinto? Um estratagema? Um enternecimento? É entrar na alma de alguém? Aí se dissolver? É o oceano que cabe todo na palma da mão? Miléna não se interrogou acerca disto. Adrien interrogou-se, sem encontrar resposta».
A chuva, a ronronice domingueira, o ombro da minha mãe, a lareira. A tarde passada a ver a Anatomia de Grey. O chá a fumegar. E o amor, sempre o amor. Ah, vidinha boa.
À procura de quem conheça David Saldanha, alegado homicida de Joana Fulgêncio, descubro, por mero acaso, o irmão da vítima de um outro homicídio passional. Um homenzarrão, de olhar doce, arregaça a manga e mostra-me o rosto da irmã, tatuado no braço. Comove-me este modo viril, masculino, de demonstrar o amor fraternal. Não há mau gosto à flor da pele, há uma dor hipodérmica.
«(...)perceberam que havia uma questão decisiva: o controlo da comunicação social. Obstinaram-se, assim, nessa cruzada. A RTP não constituía preocupação, pois sendo dependente do Governo nunca se portaria muito mal. Os privados acabaram por ser as primeiras vítimas. O Diário Económico, que estava fora do controlo e era consumido pelas elites, mudou de mãos e foi domesticado. O SOL foi objecto de chantagem e de uma tentativa de estrangulamento através do BCP (liderado em boa parte por Armando Vara). A TVI, depois de uma tentativa falhada de compra por parte da PT, foi objecto de uma 'OPA', que determinou a saída de José Eduardo Moniz e o afastamento dos écrãs de Manuela Moura Guedes. O director do Público foi atacado em público por Sócrates - e, apesar de tão propalada independência do patrão Belmiro de Azevedo, acabou por ser substituído. A Controlinvest, de Joaquim Oliveira (que detém o JN, o DN, o 24 Horas, a TSF) está financeiramente dependente do BCP, que, por sua vez, depende do Governo».
José António Saraiva in artigo de opinião intitulado Os boys de Guterres. No Correio da Manhã há mais.
«(...)chocam-me muitas situações de isolamento, nomeadamente na viuvez e, mais provavelmente, nos homens do que nas mulheres - porque as mulheres estiveram sempre ocupadas, tiveram sempre o papel de mães, de avós, da domesticidade. Não é à toa que se fala da viúva alegre e não se fala do viúvo alegre. As mulheres, enfim, sobrevivem melhor.
Interessa-me esse problema do isolamento, da solidão, dos grupos de reformados a quem o sistema dá uma pensão mínima, mas estão ali no largo da igreja a descontar no tempo. Um dos projectos que pretendemos desenvolver é sobre o envelhecimento activo, o uso do tempo. Digo: "Há muitos viúvos isolados." Haverá mesmo? Vamos saber, porque uma pessoa pode ser viúva e não se sentir só, pode ter amigos, participar em actividades, viajar em grupo».
[Manuel Villaverde Cabral, coordenador do Instituto do Envelhecimento]
There's a dream that I see, I pray it can be Look cross the land, shake this land A wish or a command I dream that I see, don't kill it, it's free You're just a man, you get what you can
We all do what we can So we can do just one more thing We can all be free Maybe not in words Maybe not with a look But with your mind
Listen to me, don't walk that street There's always an end to it Come and be free, you know who I am We're just living people
We won't have a thing So we'd got nothing to lose We can all be free Maybe not with words Maybe not with a look But with your mind
You've got to choose a wish or command At the turn of the tide, is withering thee Remember one thing, the dream you can see Pray to be, shake this land
We all do what we can So we can do just one more thing We won't have a thing So we've got nothing to lose We can all be free Maybe not with words Maybe not with a look But with your mind
O génio da lâmpada mágica tardou, mas não falhou. Dos meus três desejos, um poderá cumprir-se em breve. Sendo importante, não era o mais importante, neste momento da minha vida (mas longe de mim, querer parecer pobre e mal agradecida). E por coisas que eu cá sei - incluindo ter passado a tarde de ontem com um bispo - isto soa-me a uma espécie de sinal divino.
Ainda estou a digerir o que ontem, à hora do lanche, me apareceu de bandeja. Bem, não é assim tão de bandeja, porque tudo na minha vida se realiza com muito trabalhinho. Mas posso dizer que é comestível, ó se é comestível. Desejem-me coisinhas boas, vá.
«Nas coisas do coração, por muito democrática que seja a nossa razão, somos todos totalmente fascistas. Tão insuportavelmente fascistas, de facto, que deveríamos ser todos presos - literalmente, já que o que convém na política não apetece nada no amor. Na política, convém que as pessoas sejam livres. No amor não. (...)
Não se pode confiar em ninguém - mesmo nas pessoas de absoluta confiança. Confiar, não ter ciúmes, significa achar o outro incapaz, indesejável ou incapaz de desejar, indiferente ou incapaz de ser diferente. Faça-se a quem se queira a fineza de achar que mais alguém o há-de querer também. Desconfiar de quem se ama significa dizer, de uma maneira perversa mas verdadeira: "Se calhar estarias melhor com outra pessoa, mas eu, com outra pessoa, estaria sempre pior."»
Excerto de crónica de Miguel Esteves Cardoso, com publicação na revista do i, na edição Nós, Ciumentos
A minha mãe é uma lição de vida. Foi operada na quarta-feira passada. E hoje novamente sujeita a cirurgia (é a quinta vez desde Abril de 2007). Entre as 20h e as 22h45, gastei o chão do corredor da cirurgia, em particular junto ao elevador de serviço às enfermarias. Eu e o meu pai fomos até ao recobro, "buscá-la". É uma mulher do caraças! Sai de uma operação linda e com uma pedalada que só visto. Se há pessoa que merece cada minuto de vida é a minha mãe (não por ser minha mãe, mas por ser a mulher que é).
Na viagem de regresso a casa, o meu pai confessa que quem lhe dera a ele ter apenas um pedacinho da resistência da minha mãe. «Ela tem uma força! Cada vez a amo mais», soltou. Acho que foi a frase mais bela que ouvi sair da boca do meu pai. Não que precisasse de verbalizar o amor que sente. Porque ele, o amor, é notório. Há 32 anos. E não há cancro que destrua isso.
Se sofro muito? Sofro. Se sou feliz? Sou.
Caros senhores desaires que teimam em me rondar a mim e à minha família, tirem o cavalinho, a égua, o asno (e o que mais quiserem) da chuva, mas não me vão derrubar. Sou filha da minha mãe. Quero estar à altura dela.
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus — ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis.
Depois de ter comprado um dos escaravelhos reciclados do Simão Bolívar, não resisti a comprar, mais tarde, um alfinete de peito, dos anos 40/50 do século XX, representando também um escaravelho. Claro que a isto não é alheio o facto do escaravelho ser o símbolo egípcio da reencarnação. Fascinante a ideia de renovação eterna...um ser que renasce da própria decomposição.
Há objectos que esperam ser lidos. Vêm até mim para lançarem luz cá dentro.
Nu Sentado com o Braço Direito Estendido (1910), Egon Schiele
A alma de um escritor é um mistério. Lemos e não nos iludamos: nunca encontramos a revelação. As palavras não revelam. Lançam novos véus.
A interrogação, uma bengala permanente, à qual nos seguramos para não admitirmos que não queremos todas as respostas, mas todas as ilusões.
«Violaste a lei do distanciamento estético. Sentimentalizaste a experiência estética com essa rapariga: personificaste-a, sentimentalizaste-a e perdeste a noção do distanciamento essencial para o teu gozo. E sabes quando isso aconteceu? Na noite em que ela tirou o tampão. O distanciamento estético necessário desmoronou-se, não enquanto a vias sangrar - isso esteve bem, foi bom -, mas quando não pudeste conter-te e te ajoelhaste. E que diabo te levou a isso? O que existe atrás da comédia de essa rapariga cubana levar um tipo como tu, o professor do desejo, ao tapete? Beber o sangue dela? Eu diria que isso constituiu o abandono de uma posição crítica independente, Dave. Adora-me, diz ela, adora o mistério da deusa a sangrar, e tu obedeceste. Nada te faz deter. Lambes o sangue. Consome-lo. Digere-lo. Ela penetra-te, a ti. O que virá a seguir, David? Um copo da urina dela? Quanto tempo decorrerá antes de suplicares pelas suas fezes? Eu não sou contra isso por ser anti-higiénico. Não sou contra isso por ser repugnante. Sou contra isso porque é apaixonar-se. A única obsessão que toda a gente quer: "amor". As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platónica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fractura-nos. Estás inteiro e depois estás fracturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. E durante ano e meio lutaste para o incorporar. Mas nunca serás inteiro enquanto não o expelires. Ou te livras dele ou o incorporas através da autodeformação. E foi isso que fizeste e te levou à loucura».
«Cada ser é capaz de todas as perguntas e de todas as respostas. Escorre todas as tintas e possui todas as cores, e só por hábito adquirido há séculos é que conseguimos olharmo-nos cara a cara, quanto mais alma a alma. (...)
Um ser diante de outro ser - um mistério diante de outro mistério. (...)»
«(..) o timing é um ponto relevantíssimo: se interessava tanto à fonte que tal e-mail fosse divulgado precisamente agora, em meio da campanha eleitoral (quando é certo que ele datava já de Abril de 2008…), o jornal devia interrogar-se sobre isso e questionar-se sobre se não estaria, porventura, a ser instrumentalizado por alguém com intenções não jornalísticas. O timing, portanto, não foi definido pelo jornal — mas pela fonte que lhe passou os documentos. E dizer que as notícias não podem esperar (sobretudo quando são notícias que nos são ‘dadas’ por alguém num momento muito específico) releva de uma ingenuidade que não tem lugar neste mundo complexo…»
«Desde que me iniciei nesta profissão acreditei firmemente que a única forma de garantir a independência de um diário é assegurando a sua rentabilidade. Não digo que esta seja uma condição suficiente para isso, mas sim que é necessária. Um diário financiado por subvenções - sejam públicas ou privadas, de signo empresarial ou político - dificilmente pode assumir-se como independente. Naturalmente que uma concepção assim implica a assunção de que o jornal não é só um negócio, mas que o deve também ser se quer ser um bom jornal. De facto, estes dois conceitos - bom jornal e bom negócio - vão com frequência unidos. A mim isso não me repugna em absoluto e devo esclarecer-te que também não me parece nenhuma claudicação especial do nosso ofício. Já estou a ouvir os teus protestos a falarem-me da liberdade de expressão e do direito à informação como privilégios constitucionais de todos os cidadãos, mas para nada empalidecerem essas asserções pelo facto de implicarem também um interesse mercantil no assunto. O ensino ou a saúde, para dar outros exemplos, estão igualmente garantidos pela Constituição e são a base de um sem-fim de negócios nos quais o lucro é o motor evidente e principal. Desqualificar o jornalismo pelos seus aspectos comerciais - «só querem vender mais e por isso publicam o que publicam» - é uma atitude bastante estúpida. É evidente que há publicistas irresponsáveis e profissionais mafiosos que antepõem o benefício económico a qualquer outra consideração, mas esta não tem porque ser a norma. Temos de nos esforçar por defender uma visão ética do capitalismo (...)».
Juan Luis Cebrián, in Cartas a um jovem jornalista (Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998)
Deixaram de esperar príncipes encantados. Até elas chegam os cavalos brancos, sem o peso dos contos de fado. O dorso equídeo pede que sejam elas a reinventar a história. Elas agarram as rédeas, hesitantes. A lucidez a queimar os gestos. A languidez no olhar. Passaram a preferir que eles cheguem a pé, de passo firme, sem aparato cinematográfico. Mais rentes à vida, sem pedestais.
Imagem do filme A Desconhecida, de Giuseppe Tornatore
Quando uma pessoa perdeu o brio pelo sítio onde vive é porque deixou acreditar que é possível arejar a alma. O espaço habitado como reflexo de uma paisagem interior devastada. A falta de higiene, numa pessoa sem limitações físicas, nunca é apenas falta de higiene. É falta de esperança. Não se combate a pobreza dando uma casa, sabão ou uma vassoura, mas alimentando um projecto de vida.
Vejam o dramático. A força anímica não chegou para que os braços limpassem a casa , as queixas dos vizinhos não serviram de abanão. Eis que o tribunal determina uma medida coerciva: o despejo. E perante isto, a mulher agarra-se à ideia de que o vereador da autarquia vai ajudá-la a permanecer na casa. A mulher não fala em higienizar a vida.E ninguém pode substitui-la nesse desígnio.
No livro Tigger on the Couch – The neuroses, psychoses, disorders and maladies of our favorite childhood characters, Laura James identifica as perturbações mentais que afectam algumas personagens dos clássicos da literatura para a infância. Carla Maia de Almeida, no seu belo Jardim Assombrado, enumera alguns dos exemplos:
Rainha de Copas – narcisismo Chapeleiro LoucoeLebre de Março– psicopatia partilhada (folie à deux) Winnie-the-Pooh– défice de atenção e hiperactividade Piglet– ansiedade crónica Willy Wonka– desordem esquizotípica Peter Pan – narcisismo, autofrustração e dependência Wendy – dependência Sininho– personalidade do tipo borderline Capitão Gancho – personalidade antisocial Feiticeiro de Oz – narcisismo Homem-de-Lata – desordem esquizóide Gata Borralheira– necessidade de aprovação Barba-Azul – psicopatia Peter Rabbit – hiperactividade Bela – dependência Monstro – agressividade Cruella de Vil – personalidade histriónica Lobo Mau – psicopatia Pipi das Meias Altas– desordem de personalidade não especificada
- Ó Dinis, um padrinho não se arranja assim de repente...
- Para arranjares um namorado, fazes isto: despejas um frasco de perfume em ti. Depois vais ter com ele. Ele desmaia, pegas nele e espetas-lhe um beijo.
- E devo ser eu a espetar-lhe um beijo? Não espero que seja ele a dar-mo?
- Ó mimi, os rapazes são tímidos!
- E as raparigas não são?
- Os rapazes são mais tímidos!
- E com o beijo resolvia-se tudo?
- Depois, faziam amizade, combinavam um jantar. Depois, trazia-lo para casa, sem a tua mãe saber, e dizias-lhe: Quero namorar contigo.
- E achas que ele iria dizer logo que sim?
- Se disser que não, dás-lhe uma chapada na cara. Mas achas que ele não vai aceitar?! Só tens de deitar o frasco todo de perfume.
(Diálogo entre a mulher comestível e o Dinis, de 9 anos)
O lavar de roupa suja começa agora a estar mais equilibrado. Por muito que se queira o conforto das dicotomias, o inferno não são só os outros: os políticos que nos governam. E nem os jornalistas são anjos seráficos.
Lembro-me sempre das aulas de jornalismo em que se sublinhava que a verdade é um espelho que caiu ao chão e se dividiu em pequenos estilhaços. Ao jornalista cabe a tarefa de juntar o maior número de pedaços de vidro. O jornalista não é o dono da verdade; se assim se sentir, correrá o risco de se cortar com a lâmina da arrogância.
Que haja limpeza e transparência nos dois campos: política e jornalismo. Venha o azul, o sabão azul e não o lápis.
Ontem um berlinde de vidro motivou o Alexandre a fazer uma Ode a Heráclito. Anteontem, o A_gosto fez-me chegar a casa com um saco de berlindes. Encantatórios. O dono da Casa da Boneca - loja de brinquedos de Viseu, que faz parte do imaginário infantil dos viseenses da minha idade - ofereceu, a cada um dos participantes, um saco com esféricas memórias. A Casa da Boneca está prestes a fechar. E na cidade deixará de haver igual loja, com caixas de jogos já envelhecidas pelo tempo, com brinquedos que hoje já não se podem designar por brinquedos, com restos de uma infância que já era.
Lembro-me do violeiro, que disse que, «quando somos jovens, temos muitas arestas mentais» e que, com a passagem do tempo, «tudo na vida tende a ficar esférico».
Uma amiga, jornalista desempregada, recusou um convite para ser assessora de imprensa numa das distritais de um partido. Pensou em aceitar porque precisa de fazer pela vida. Mas o estômago começou a remoer, na hora em que reuniu para acertar os valores da remuneração, e começou a ouvir falar mal de jornalistas que denunciaram situações que envolviam figuras do partido. Nem quis saber se a estrutura partidária aceitava os valores pedidos por ela. Ligou a recusar o convite. E dormiu mais descansada naquela noite. Mais descansada e a sentir que o nome dela estava limpo do lamaçal político que se avizinha. Sabe que pode ter desperdiçado a possibilidade de arranjar um "tacho" no partido ou em alguma autarquia, mas também sabe que iria ser profundamente infeliz a trabalhar no seio da política.
Quando vejo políticos a desfazerem-se em simpatia com os jornalistas que trabalham na área política e, com laivos de má educação, a ignorarem os outros, os que não lhes dão jeito, começo a sentir alguma urticária.E questiono-me sobre quem é que essas figuras da política querem iludir quando soltam larachas como "há falta de ética na vida política" ou" precisamos de ter princípios e valores e darmo-nos ao respeito, para sermos respeitados". É que não há paciência para discursos de embalar bebés. Principalmente quando, diante de 100 jovens com ambições políticas, tanto defendem a ética como, logo de seguida, anuem com o recurso à "cunha". Porreiro, pá.
E se tivessem uma cápsula do tempo onde pudessem depositar um objecto simbólico e, daqui por cinco anos, voltassem a resgatá-lo? Que memórias seriam acordadas? O que o olhar encontraria no objecto e em nós próprios?
Quem achar piada à ideia, pode entrar nesta experiência até dia 29 de Agosto, em Viseu.
O A_gosto da cidade vai para além da cápsula do tempo. A associação cultural Amarelo Silvestre e o Projecto Património -Empório juntaram-se para reflectir Viseu. No sábado, dia 29, vai haver piquenique no Parque Aquilino Ribeiro, conversas saborosas, passeio a pé pelo centro histórico e uma dissertação sobre lugares e não-lugares.
Eu andarei por lá. Porque as boas ideias dos bons amigos são para ser acompanhadas. Bem de perto.
De um homem uma mulher espera firmeza. Firmeza de carácter, de ideias, de atitudes. Firmeza no abraço. Quando a mulher sente firmeza, ama mais. Ama melhor. Quando sente firmeza, fica formosa e segura. E amará para além do amor.
A semana começou comigo no meio da paz, com os olhos postos no Dão, e não nas cavernas de Vieira do Minho. Em termos de trabalho, a semana prometia ser calminha. E, de repente, tudo muda.
Não vou stressar, não vou stressar, não vou stressar. Missão: seis trabalhos em cinco dias. Não vou stressar, não vou stressar, não vou stressar. Seis trabalhos ainda por definir na íntegra. Não vou STRESSAR! (ups,até já uso pontos de exclamação, ai que vou ser excomungada)
Mas aquilo que queria mesmo partilhar era a beleza da Barragem da Aguieira. E tenho dito.