quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Jano



Tenho andado armada em procrastinadora. A mudança está perto e tenho evitado a hora de encaixotar o que vai povoar a minha nova vida. O corte de cabelo desenhou-se hoje. É verdade, eu encaixo no cliché: sou daquelas mulheres que sente ânsias de cortar o cabelo para assinalar uma mudança.


Amanhã não há como fugir. No último dia do ano, vou seleccionar os companheiros que me vão dar colinho no novo código postal. Num caixote irei depositar os livros que me irão mimar os neurónios longe do território familiar.


Tenho muita arrumação pela frente. Arrumações em várias frentes. Estou a caminho de cumprir o que tenho de ser. Estou mais perto de mim. Mas, durante uns tempos, vou ser descendente da mitologia romana. Vou sentir-me Jano. Ai vou, vou.



(Este post tem a ver com este outro, pois claro)

Conjugar-te

Imagem de Mark Peckmezian


O Miguel Carvalho desafiou alguns bloggers a escreverem textos inspirados no tema «Ainda há futuros como antigamente?». Saiu-me isto:



«Menina, pensa no futuro». Sempre, sempre, sempre. Os outros estão sempre a impor-nos futuro, futurologia. «O que queres ser quando fores grande? Onde queres passar as férias? Quando arranjas namorado? Quando casas? Quando tens filhos? Quando tens netos? Vais querer ser enterrado ou cremado? Como gostarias que te recordassem?»


Tu dás-me presente. E é isso que quero de ti. A tua presença, quando nos apetece. Contigo não me aprisiono nem ao sonho, nem à desilusão. Não quero que o futuro venha a correr, nem que o passado me agarre. Sabemos que o que temos é uma intermitência, uma doce fragilidade.


Preciso do parêntesis onde nos colocamos, desta barragem contra o futuro. Não falamos no vindouro, nem no passado. Deixamo-nos ir. Não esqueço as tuas mãos a taparem-me a boca, como quem diz: «Não metas filtros, silencia o teu censor, sente apenas. Sente-me». E eu deixo-me ir. Por não te esperar, por nada esperar de ti, tenho-te.


Amanhã vou surpreender-te. Falar-te-ei de futuro. Porque irei mudar, mudar-me. E vou continuar a querer presente e não melancolia ou ansiedade. Sei que a distância geográfica vai inibir-nos a espontaneidade. A lonjura vai fazer-nos pensar em futuro de tanto presente passado um com o outro. À distância resta-nos um caminho: um passo à frente ou um passo atrás. Vou antecipar-te e dar um passo atrás. Coisas de quem precisa de proteger o miocárdio (que seja).


Comigo longe, já não vais poder ligar-me a dizer que daí a 15 minutos vais passar por perto e que queres ser comigo. Os teus lábios não vão procurar os meus, ansiosos por um silente diálogo. Nem eu vou perguntar-te se estás pelo hospital e se podes descer até ao bar para um café nos tomar os gestos. Nem tu, de seguida, me convidarás para jantarmos juntos, dilatando a pausa no trabalho. Tu estás habituado a lidar com o presente. Interessa-te o aqui e agora do doente. Trazes contigo a urgência do agir. Sabes a exacta medida de um minuto, quando sais ao serviço do INEM. Estás habituado a ter vida entre as mãos. Por isso gosto tanto de sentir a palma da minha mão entregue à tua.


É perante o passado que eu ajoelho a minha vida. As escavações arqueológicas acendem-me o olhar. Tu gostas de mim assim, com pó nas veias e mãos na compreensão. Até já topaste o meu tique de, volta e meia, ao conversarmos ou ao caminharmos na rua, eu teimar em olhar para trás. Atribuis as minhas frequentes dores de barriga a uma congestão de passado. Lanças-me o teu humor: «Ó minha Cleópatra, lá estás tu com as tuas melan…cólicas!»


Amanhã. Amanhã, vou dar-te um abraço e sussurrarei aquela frase que sublinhaste no livro que tens na mesa de cabeceira: ‘Se jamais dois forem um, então nós’. Amanhã, irei atirar-te com o Antigo Egipto. Depositar-te-ei nas mãos aquele escaravelho de ouro que encontrei num antiquário, na rua onde, pela primeira vez, os nossos dedos se entrelaçaram como rede de pescar ternura.


Vou mentir-te. Vou dizer-te que te ofereço o escaravelho apenas por ser giro (ai como tu detestas esse adjectivo!). Vais ficar a olhar para o escaravelho, com a sobrancelha direita arqueada a censurar-me por ter gasto tanto dinheiro num objecto em ouro. Sei que a tua curiosidade irá chegar à simbologia.


Com o escaravelho irei pôr-te nas mãos a eternidade.


Agora, tão agora, sinto-me cobarde por não te conjugar no futuro.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

É Natal, época de solidariedade e tal

O Mátria Minha saiu do coma, para partilhar uma pérola negra (que entretanto já foi apagada do blogue).

domingo, 20 de dezembro de 2009

Sou toda ouvidos

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Palhaçada




O coelhinho vem com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao Parlamento.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Coisas do demo


As
universidades sempre foram lugares perigosos. E nós, por cá, estamos a atingir um nível elevado de perigosidade: foi criado um doutoramento em Democracia no Século XXI.

Sítio perigoso este o do questionar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

JorAnalistas

«O conteúdo é rei». O design é a coroa.


Indecência


Isto é
indecente. Digo eu, filha de uma doente com cancro colo-rectal.

Não se podem esperar meses, quando o organismo dá sinal de alerta. A minha mãe não esperou. Foi à urgência hospitalar, mas como não apresentava sangue nas fezes não lhe foi feita uma colonoscopia. Não podia esperar meses, prostrada na cama com cólicas abdominais insuportáveis. Fui a uma clínica privada marcar a colonoscopia. Numa sexta-feira foi feita a biópsia. Na segunda-feira veio o resultado. E nesse mesmo dia o gastroenterologista, que trabalha para o privado, mas também no hospital público da área de residência, procedeu ao internamento da minha mãe. Na quinta-feira seguinte foi operada. Ainda havia alguma coisa a fazer. E se esperasse meses?

domingo, 6 de dezembro de 2009

O início

Desenho de Graça Martins


«O amor.
É um nicho no qual nos enroscamos? É um pedaço de universo sobre o qual reinamos? É um vago arranjo? Um contrato para dar remédio à solidão? É a descoberta de um lugar desconhecido? É a exploração de uma vida? É a procura de um duplo? De uma outra metade que um Deus amador de puzzles tivesse escondido? É uma aposta? A busca de uma unidade perdida? Datada de quando? Instaurada por quem? É um espelho? Uma recordação de infância? Uma ideia de felicidade? Um sonho? É uma doce inquietude? Uma paixão? A guerra? É uma ideia da perfeição? Pensamos nele ao morrer? É uma perdição? A negação de si? É um desespero? Uma religião? É o cumprimento de um programa? Genético? Cósmico? É a santidade? É uma maldição? Um corpo a estreitar? Uma alma a adivinhar? É um pedaço de espaço/tempo acelerado? Ou a paragem do tempo? Ou o fim do espaço? É uma equação a resolver? Uma dição de qualidades e de belezas? Uma antimatéria? Um mundo do avesso? Um aspirador de sentimentos? Um buraco negro do espaço? A outra face de uma galáxia? É um acaso? Um silício emotivo? Uma carícia que não tem fim? Um poema para viver? Um nascimento e uma morte misturados? O início da eternidade? Um labirinto? Um estratagema? Um enternecimento? É entrar na alma de alguém? Aí se dissolver? É o oceano que cabe todo na palma da mão?

Miléna não se interrogou acerca disto.
Adrien interrogou-se, sem encontrar resposta».


Yves Simon, in O Viajante Magnífico

Ronronice


A chuva, a ronronice domingueira, o ombro da minha mãe, a lareira. A tarde passada a ver a Anatomia de Grey. O chá a fumegar. E o amor, sempre o amor.

Ah, vidinha boa.

(eu disse boa, não disse fácil)




quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A cadeira




«Eu sou como as outras pessoas. Só que há uma pequena diferença. As pessoas não precisam da cadeira. Eu preciso da cadeira. A cadeira só serve para me levar onde as minhas pernas não podem ir. É só isso».

Simone, portadora de paralisia cerebral, protagonista do filme No Fio dos Limites (2003), de Christine Reeh.

O documentário, filmado em Castro Daire e Viseu, foi produzido pela Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, RTP e Asterisk Produções.

Hoje, Dia Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência, lembrei-me da extraordinária Simone.