segunda-feira, 28 de setembro de 2009

E não é que há mesmo?


São 592.064 portugueses, do território continental, a pensar como eles.


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Do mistério

Nu Sentado com o Braço Direito Estendido (1910), Egon Schiele


A alma de um escritor é um mistério. Lemos e não nos iludamos: nunca encontramos a revelação. As palavras não revelam. Lançam novos véus.

A interrogação, uma bengala permanente, à qual nos seguramos para não admitirmos que não queremos todas as respostas, mas todas as ilusões.


«Violaste a lei do distanciamento estético. Sentimentalizaste a experiência estética com essa rapariga: personificaste-a, sentimentalizaste-a e perdeste a noção do distanciamento essencial para o teu gozo. E sabes quando isso aconteceu? Na noite em que ela tirou o tampão. O distanciamento estético necessário desmoronou-se, não enquanto a vias sangrar - isso esteve bem, foi bom -, mas quando não pudeste conter-te e te ajoelhaste. E que diabo te levou a isso? O que existe atrás da comédia de essa rapariga cubana levar um tipo como tu, o professor do desejo, ao tapete? Beber o sangue dela? Eu diria que isso constituiu o abandono de uma posição crítica independente, Dave. Adora-me, diz ela, adora o mistério da deusa a sangrar, e tu obedeceste. Nada te faz deter. Lambes o sangue. Consome-lo. Digere-lo. Ela penetra-te, a ti. O que virá a seguir, David? Um copo da urina dela? Quanto tempo decorrerá antes de suplicares pelas suas fezes? Eu não sou contra isso por ser anti-higiénico. Não sou contra isso por ser repugnante. Sou contra isso porque é apaixonar-se. A única obsessão que toda a gente quer: "amor". As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platónica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fractura-nos. Estás inteiro e depois estás fracturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. E durante ano e meio lutaste para o incorporar. Mas nunca serás inteiro enquanto não o expelires. Ou te livras dele ou o incorporas através da autodeformação. E foi isso que fizeste e te levou à loucura».


Philip Roth, in O Animal Moribundo


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Alma a alma

Imagem de Jennifer Anderson

«Cada ser é capaz de todas as perguntas e de todas as respostas. Escorre todas as tintas e possui todas as cores, e só por hábito adquirido há séculos é que conseguimos olharmo-nos cara a cara, quanto mais alma a alma. (...)

Um ser diante de outro ser - um mistério diante de outro mistério. (...)»

Raul Brandão, in Húmus


domingo, 20 de setembro de 2009

A propósito do caso das 'escutas'



«(..) o timing é um ponto relevantíssimo: se interessava tanto à fonte que tal e-mail fosse divulgado precisamente agora, em meio da campanha eleitoral (quando é certo que ele datava já de Abril de 2008…), o jornal devia interrogar-se sobre isso e questionar-se sobre se não estaria, porventura, a ser instrumentalizado por alguém com intenções não jornalísticas. O timing, portanto, não foi definido pelo jornal — mas pela fonte que lhe passou os documentos. E dizer que as notícias não podem esperar (sobretudo quando são notícias que nos são ‘dadas’ por alguém num momento muito específico) releva de uma ingenuidade que não tem lugar neste mundo complexo…»

Joaquim Fidalgo
(via Jornalismo & Comunicação)


Cebrián dixit

Imagem de Denis Olivier

«Desde que me iniciei nesta profissão acreditei firmemente que a única forma de garantir a independência de um diário é assegurando a sua rentabilidade. Não digo que esta seja uma condição suficiente para isso, mas sim que é necessária. Um diário financiado por subvenções - sejam públicas ou privadas, de signo empresarial ou político - dificilmente pode assumir-se como independente. Naturalmente que uma concepção assim implica a assunção de que o jornal não é só um negócio, mas que o deve também ser se quer ser um bom jornal. De facto, estes dois conceitos - bom jornal e bom negócio - vão com frequência unidos. A mim isso não me repugna em absoluto e devo esclarecer-te que também não me parece nenhuma claudicação especial do nosso ofício. Já estou a ouvir os teus protestos a falarem-me da liberdade de expressão e do direito à informação como privilégios constitucionais de todos os cidadãos, mas para nada empalidecerem essas asserções pelo facto de implicarem também um interesse mercantil no assunto. O ensino ou a saúde, para dar outros exemplos, estão igualmente garantidos pela Constituição e são a base de um sem-fim de negócios nos quais o lucro é o motor evidente e principal. Desqualificar o jornalismo pelos seus aspectos comerciais - «só querem vender mais e por isso publicam o que publicam» - é uma atitude bastante estúpida. É evidente que há publicistas irresponsáveis e profissionais mafiosos que antepõem o benefício económico a qualquer outra consideração, mas esta não tem porque ser a norma. Temos de nos esforçar por defender uma visão ética do capitalismo (...)».

Juan Luis Cebrián, in Cartas a um jovem jornalista
(Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998)



sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Rédeas

Imagem de youknow505

Imagem de Annabel Mehran

Imagem de Pavel Morozov


Deixaram de esperar príncipes encantados. Até elas chegam os cavalos brancos, sem o peso dos contos de fado. O dorso equídeo pede que sejam elas a reinventar a história. Elas agarram as rédeas, hesitantes. A lucidez a queimar os gestos. A languidez no olhar. Passaram a preferir que eles cheguem a pé, de passo firme, sem aparato cinematográfico. Mais rentes à vida, sem pedestais.


quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Higiene mental

Imagem do filme A Desconhecida, de Giuseppe Tornatore


Quando uma pessoa perdeu o brio pelo sítio onde vive é porque deixou acreditar que é possível arejar a alma. O espaço habitado como reflexo de uma paisagem interior devastada. A falta de higiene, numa pessoa sem limitações físicas, nunca é apenas falta de higiene. É falta de esperança. Não se combate a pobreza dando uma casa, sabão ou uma vassoura, mas alimentando um projecto de vida.

Vejam o dramático. A força anímica não chegou para que os braços limpassem a casa , as queixas dos vizinhos não serviram de abanão. Eis que o tribunal determina uma medida coerciva: o despejo. E perante isto, a mulher agarra-se à ideia de que o vereador da autarquia vai ajudá-la a permanecer na casa. A mulher não fala em higienizar a vida.E ninguém pode substitui-la nesse desígnio.

Literatura infantil no divã


No livro Tigger on the Couch – The neuroses, psychoses, disorders and maladies of our favorite childhood characters, Laura James identifica as perturbações mentais que afectam algumas personagens dos clássicos da literatura para a infância. Carla Maia de Almeida, no seu belo Jardim Assombrado, enumera alguns dos exemplos:


Rainha de Copas – narcisismo
Chapeleiro Louco e Lebre de Março – psicopatia partilhada (folie à deux)
Winnie-the-Pooh – défice de atenção e hiperactividade
Piglet – ansiedade crónica
Willy Wonka – desordem esquizotípica
Peter Pan – narcisismo, autofrustração e dependência
Wendy – dependência
Sininho – personalidade do tipo borderline
Capitão Gancho – personalidade antisocial
Feiticeiro de Oz – narcisismo
Homem-de-Lata – desordem esquizóide
Gata Borralheira– necessidade de aprovação
Barba-Azul – psicopatia
Peter Rabbit – hiperactividade
Bela – dependência
Monstro – agressividade
Cruella de Vil – personalidade histriónica
Lobo Mau – psicopatia
Pipi das Meias Altas – desordem de personalidade não especificada

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Breve (brevíssimo) tratado sobre política



Imagens do filme Dolls, de Takeshi Kitano


É que não tenho mais nada a acrescentar.

Intenção de voto?



(Qual das máscaras escolhiam?)



domingo, 6 de setembro de 2009

Uma questão de perfume



- Ó mimi, quando é que me arranjas um padrinho?


- Ó Dinis, um padrinho não se arranja assim de repente...

- Para arranjares um namorado, fazes isto: despejas um frasco de perfume em ti. Depois vais ter com ele. Ele desmaia, pegas nele e espetas-lhe um beijo.

- E devo ser eu a espetar-lhe um beijo? Não espero que seja ele a dar-mo?

- Ó mimi, os rapazes são tímidos!

- E as raparigas não são?

- Os rapazes são mais tímidos!

- E com o beijo resolvia-se tudo?

- Depois, faziam amizade, combinavam um jantar. Depois, trazia-lo para casa, sem a tua mãe saber, e dizias-lhe: Quero namorar contigo.

- E achas que ele iria dizer logo que sim?

- Se disser que não, dás-lhe uma chapada na cara. Mas achas que ele não vai aceitar?! Só tens de deitar o frasco todo de perfume.


(Diálogo entre a mulher comestível e o Dinis, de 9 anos)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Lavadeiras


O lavar de roupa suja começa agora a estar mais equilibrado. Por muito que se queira o conforto das dicotomias, o inferno não são só os outros: os políticos que nos governam. E nem os jornalistas são anjos seráficos.

Lembro-me sempre das aulas de jornalismo em que se sublinhava que a verdade é um espelho que caiu ao chão e se dividiu em pequenos estilhaços. Ao jornalista cabe a tarefa de juntar o maior número de pedaços de vidro. O jornalista não é o dono da verdade; se assim se sentir, correrá o risco de se cortar com a lâmina da arrogância.

Que haja limpeza e transparência nos dois campos: política e jornalismo.
Venha o azul, o sabão azul e não o lápis.