quarta-feira, 29 de abril de 2009

Apagão

Apaguei o conteúdo deste post sobre a Margarida Menezes, fundadora do Clube das Virgens. Fui demasiado dura com ela [e não é que também o estava a ser comigo mesma?!]. Fui profundamente contraditória, como tão bem o Alex me soube mostrar.
Mantenho o comentário que o Alex fez ao conteúdo que aqui tinha até ao apagão. O Alex é inteligente, é amigo, vê-me [bendito olho de gato]. O comentário permanece porque foi a parte melhor do post. Obrigada Alex.

Viva a biodiversidade.

Não gosto de conversas porcas...

por isso não vou falar da gripe suína.
O que é demais já cheira mal.

Os media ainda não se lembraram de contabilizar o número de pessoas que morre de tédio? Ou o número de pessoas que morre de susto? Ou o número total de pessoas que, por dia, simplesmente morre, de morte morrida ou de morta matada ou de morte fictícia?

Vou perdendo a paciência para um empol(g)amento jornalístico que esconde, debaixo dos saiotes do sensacionalismo, a verdadeira notícia. A verdade pode ser muito pouco interessante, como se pode ver
aqui ou aqui. Então, limpe-se o ruído e o espirro histérico. Santinho.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Confiança


- «Sim, porquê?» - respondeste tu.

Por vezes, para nos aquecer o peito, precisamos apenas de uma resposta concisa a uma pergunta frontal, em que queremos um sim ou um não [naquele momento, não queria uma resposta arco-íris, queria simplesmente o preto e o branco]. Uma resposta que - vinda de ti - tinha de trazer uma pergunta às costas. Eu respondi-te que às vezes há coisas que sabem bem ouvir. E tu sorriste. Podes perguntar: «Como viste o sorriso à distância de um écrã, sem webcam ligada?»


Mas vi-o. Os olhos não vêem tudo.

Comoveu-me o «sim, porquê?». Eu sou assim. Às vezes comovo-me com as coisas menos óbvias, com as coisas pequeninas, ninas, minhas, significantes de tão insignificantes. A questão não foi a resposta à pergunta. Foi a resposta àquela pergunta num dia como o de hoje. Foi a conversa que antecedeu aquela pergunta, é a confiança que permanece quando estamos em silêncio. Neste preciso dia, ver-te escrever aquela resposta era tudo o que eu precisava. E não te sei explicar porquê. É tão bom haver confiança, quando tudo se afigura devoradoramente volátil.


[Fui usurpar a foto ao blogue da Menina Limão porque é puro discurso visual sobre confiança]

Agora vou aqui revirar a alma, para ir para a cama uns metros acima do chão.




[Só espero que, nos sonhos, não me apareça a Manuela Ferreira Leite a deitar a língua de fora ao Mário Crespo, à porta de um certo supermercado de bairro]

Estado da Questão

Imagem de Koltsova Ekaterina



O que os outros escreveram sobre o teu corpo não sei.
O que as outras escreveram no teu corpo não me interessa.
Sei que nunca viste o teu rosto - e será que a água te engana?
será que tens rosto?

De todas as dúvidas eu te dissiparei
- abandona-te nas minhas mãos científicas
ou ciosas.


Sei que nunca viste as tuas costas. Lá chegarei.
Cuidemos em vigiar o tempo.


[Joana Serrado, in Tratado de Botânica]

domingo, 26 de abril de 2009

Bela adormecida

Imagem de Sophie Pawlak



Ela tinha pés de barro
e sonhos em brasa.
Nas mãos, o evanescente.

[ânsia crescente]

Quis regressar à infância,
mas encontrou demolida a memória: sem migalhas,
sem Hansel e Gretel.

[ então, acabou por perceber que a idade adulta era uma maçã envenenada; a infância uma bela adormecida]


Sou toda ouvidos

Tudo o que temos

Imagem de Thierry Magniez


«Costumo dizer uma coisa: o amor é a bondade que se aplica a tudo. É a bondade, é a beleza. (...) O amor é o principal veículo de comunicação. De maneira que o amor ou a bondade é tudo o que temos. Memória é tudo o que temos, palavra é tudo o que temos, e as palavras são a forma de podermos, eventualmente, tocar a fímbria do amor e da memória.»


[Manuel António Pina, entrevistado por Anabela Mota Ribeiro, in Pública 26.04.2009]

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sou toda ouvidos

Hoje é dia de "objectos transcendentes".

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Novo mandamento: Não tuitarás



Pronto. Já encontrei um argumento de peso , para justificar o meu desinteresse pelo Twitter. Eu podia até argumentar sentir aversão a mais uma distracção tecnológica, podia dizer que se tratava de embirração por uma rede social que, pela sua natureza, «pressiona» a que tenha de dizer alguma coisa minimamente inteligente de hora a hora. Mas esta argumentação não convenceria os tuiteiros mais agarraditos. Agora sim, sinto as costas bem quentes. Não quero correr riscos emocionais. Obrigada António Damásio.


Se fosse homem...

...e tivesse visto ontem o programa Bairro Alto, na RTP2, ter-me-ia apaixonado por Zita Martins. Como sou mulher heterossexual, partilho aqui a minha admiração por esta jovem astrobióloga que é investigadora associada no Imperial College London. Eu, que tenho um maior interesse pelas ciências humanas que pelas ciências naturais, fiquei colada ao televisor a ouvir falar de astrobiologia.

Uma mulher inteligente, interessante, boa comunicadora e determinada. Com estas qualidades é fácil cativar as pessoas, quando se fala, para leigos, de matérias aparentemente complexas. Esta investigadora vai longe, só pode ir muito longe, mesmo que não queira pôr os pés em Marte.



[E ainda por cima, Zita Martins é bonita que se farta]






segunda-feira, 20 de abril de 2009

Give power to designers

Depois de ter visto publicada a minha mais recente reportagem, só posso usurpar as palavras de Jacek Utko: "Give power to designers!". Pleaseeeeeeeeee.


sábado, 18 de abril de 2009

Precisar de ar, ar, árvore

Aqui não deixo de ver poesia ensanguentada. O bisturi a abrir uma metáfora.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Prima obra

Imagem de Oana Cambrea


Paolo Giordano não desiludiu. Bendita hora em que este investigador de Física decidiu dar uso à parte do cérebro desperdiçada. Bendita hora em que deixou crescer Mattia e Alice. O olhar não defrauda.


«Os números primos apenas são divisíveis por 1 e pelo próprio número. Estão no lugar que lhes é próprio na infinita série dos números naturais, esmagados como todos entre dois, mas um passo mais além relativamente aos outros. São números desconfiados e solitários e, por isso, Mattia achava-os maravilhosos. (...)

Numa cadeira do primeiro ano Mattia estudara que entre os números primos há alguns que ainda são mais especiais. Os matemáticos chamam-lhes primos gémeos: são pares de números primos que estão próximos um do outro, aliás, quase próximos, pois entre eles existe sempre um número par que os impede de se tocarem realmente. Números como, por exemplo, 11 e 13, 17 e 19, 41 e 43. Tendo paciência para continuar a contá-los descobre-se que estes pares se vão tornando progressivamente mais raros. Descobrem-se números primos cada vez mais isolados, perdidos naquele espaço silencioso e cadenciado feito apenas de cifras e nota-se o pressentimento angustiante de que os pares encontrados até aí foram um facto acidental, cujo verdadeiro destino é o de ficarem sozinhos. Depois, quando se está prestes a desistir, quando já não se tem vontade de contar mais, eis que se descobrem, abraçados mais dois gémeos. Entre os matemáticos é convicção comum que por mais que se avance na contagem, existirão sempre mais dois, ainda que ninguém saiba dizer onde, até serem descobertos.

Mattia achava que ele e Alice eram assim, dois primos gémeos, sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente. A ela nunca lho dissera. Quando imaginava confessar-lhe estas coisas, a fina camada de suor sobre as mãos evaporava-se por completo e durante uns bons dez minutos não era capaz de tocar em nenhum objecto».


[Paolo Giordano, in «A solidão dos números primos»]

terça-feira, 14 de abril de 2009

Tragedy is no longer possible




A metáfora do cuco, a promessa de densidade narrativa. De um filme que se inicia com a presença de uma ave parasita não se pode esperar nem enredo morno, nem personagens planas. O cuco fêmea ronda um ninho alheio e põe um ovo. Para que a dona do ninho não se aperceba da intrusão, o cuco devora um dos ovos. A mãe ave choca o ovo de cuco, como se fosse da sua ninhada. Com gestação mais curta, o cuco é o primeiro a nascer.

A saída da casca implica a morte prematura dos outros pássaros. O cuco vai atirando, para fora do ninho, os ovos que o rodeiam. A ânsia de sobrevivência. O cuco quer ser a única cria a receber alimento da mãe adoptiva. Um homem sai da prisão e a atenção recai sobre o cuco que tombara para o chão. A noção de Bem, enraizada naquele homem, impele-o a colocar o cuco dentro do ninho. O cuco elimina a cria que restara. A família morta, à nascença.

Em «Inferno», com guião de Krzystof Kielowski e realização de Danis Tanovic, paira a tragédia grega Medeia, de Eurípedes. Três filhas subterraneamente destruídas; três mulheres que nunca se libertaram do desamparo da infância. Uma mãe, muda e agarrada a uma cadeira de rodas, que, no final, nos tira o chão.

Os olhares daquelas mulheres – Carole Bouquet, Emmanuelle Béart, Marie Gillan e Karin Viard – perseguem-nos. No final, sabemos que o Inferno está no olhar que se arremessa sobre a existência, sobre o Outro. Previsível, o efeito bumerangue: o olhar que se atira devolve cinza. Na queda individual, a família em derrocada. E, porém, já não há lugar para a tragédia.

[Não falei em crueldade, pois não?]


«Greek society knew about tragedy because the Greeks believed in several gods and felt they were involved in their destiny. There was a confrontation between the mortal and the divine. Today, in a society that has deserted God, in a material world in which God is dead, tragedy is no longer possible. What is left is drama. And that is already a lot because although drama may be tragic, it is not however a tragedy».

Danis Tanovic, entrevistado por Gaillac-Morgue

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sou toda ouvidos



Obrigada A., pelo envio de tamanha beleza. Pólen, abelhas. Picadas que fazem perder a inocência.

«When the dog bites, when the bee stings, when I'm feeling sad, I simply remember my favorite things and then I don't feel...»

sábado, 11 de abril de 2009

All you need is gods

Imagem de Helena Almeida


Não suportamos o silêncio. Precisamos de sinais, de sentido, de rituais inquestionáveis. Precisamos. Para nos distrairmos do absurdo [surdo, cego e mudo].Precisamos de um Zeus, de um Prometeu e de uma águia.


«A questão não reside no silêncio de Deus, mas no silêncio de nós próprios. Tornamo-nos seres mudos, atravessamos a vida sem dizer palavras fundamentais. E isso gera uma atmosfera que nos atordoa, a tal dor mansa quase vegetal de que falava Alexandre O'Neill. A dor do Homem».

José Tolentino Mendonça, in DNa [n.º 164,22.01.2000]

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sou toda ouvidos

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Caligrafia da ternura

Imagem de Saunter


Um barco de papel.
Um barco de papel bastar-me-ia:
levar-me-ia até ao atol da eternidade.
Encontrasse eu a palavra inicial,
aquela que me devolvesse a inocência do pólen.


QUERO:
a caligrafia da ternura lavada pelas marés.

Bora lá até ao parque de campismo

250 mortos
1000 feridos
17.000 desalojados
1 frase sísmica :

«Não lhes falta nada. Têm cuidados médicos, comida quente... Claro que o actual lugar de abrigo é provisório, mas há que encarar a situação como um fim-de-semana no parque de campismo».

[Sílvio Berlusconi]

terça-feira, 7 de abril de 2009

Meia verdade

Imagem de Popok


Verdade


A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.


Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.


Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.



[Carlos Drummond de Andrade]

Perto demais


-"Alice, tell me one thing that is the truth?"
- "Lying is the most fun a girl can have without taking her clothes off...but it's better if you do."

Estou nos antípodas da reveladora Alice Ayres/Jane Jones. Inábil na arte de mentir ao outro. Perita na tentativa de mentir a mim mesma. Não passa de tentativa. A minha coerência interior fala sempre mais alto e mais dentro. Na verdade me escondo.


quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mentira com flúor



Ela escancarava-se toda no sorriso.
Mas o sorriso mentia com quantos dentes tinha.
[Os quatro do siso choravam no regaço da língua]



«Oh, Mrs. Dalloway always giving parties, to cover the silence»




Quantos são os dias da mentira?