terça-feira, 14 de abril de 2009

Tragedy is no longer possible




A metáfora do cuco, a promessa de densidade narrativa. De um filme que se inicia com a presença de uma ave parasita não se pode esperar nem enredo morno, nem personagens planas. O cuco fêmea ronda um ninho alheio e põe um ovo. Para que a dona do ninho não se aperceba da intrusão, o cuco devora um dos ovos. A mãe ave choca o ovo de cuco, como se fosse da sua ninhada. Com gestação mais curta, o cuco é o primeiro a nascer.

A saída da casca implica a morte prematura dos outros pássaros. O cuco vai atirando, para fora do ninho, os ovos que o rodeiam. A ânsia de sobrevivência. O cuco quer ser a única cria a receber alimento da mãe adoptiva. Um homem sai da prisão e a atenção recai sobre o cuco que tombara para o chão. A noção de Bem, enraizada naquele homem, impele-o a colocar o cuco dentro do ninho. O cuco elimina a cria que restara. A família morta, à nascença.

Em «Inferno», com guião de Krzystof Kielowski e realização de Danis Tanovic, paira a tragédia grega Medeia, de Eurípedes. Três filhas subterraneamente destruídas; três mulheres que nunca se libertaram do desamparo da infância. Uma mãe, muda e agarrada a uma cadeira de rodas, que, no final, nos tira o chão.

Os olhares daquelas mulheres – Carole Bouquet, Emmanuelle Béart, Marie Gillan e Karin Viard – perseguem-nos. No final, sabemos que o Inferno está no olhar que se arremessa sobre a existência, sobre o Outro. Previsível, o efeito bumerangue: o olhar que se atira devolve cinza. Na queda individual, a família em derrocada. E, porém, já não há lugar para a tragédia.

[Não falei em crueldade, pois não?]


«Greek society knew about tragedy because the Greeks believed in several gods and felt they were involved in their destiny. There was a confrontation between the mortal and the divine. Today, in a society that has deserted God, in a material world in which God is dead, tragedy is no longer possible. What is left is drama. And that is already a lot because although drama may be tragic, it is not however a tragedy».

Danis Tanovic, entrevistado por Gaillac-Morgue

2 comentários:

Robin K disse...

Gostei muito desta apresentação. Muito mesmo.
Lá vou eu ter que ir à FNAC.

Ice_device disse...

O xico tem que conhecer o teu blog!