quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um fosso nem sempre é uma falha



 Imagem do filme Nothing Personal, de Urszula Antoniak


 Um fosso nem sempre é uma falha.
Veja-se o amor: um socalco ao qual não se chega sem escavar. O labor.
Um degrau com a profundidade dos passos sintonizados.


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Da inutilidade das palavras



Há dias em que não se querem palavras.Só a pontuação

ESSENCIAL.

Um ( ) em torno de nós. 
Uma ! a cair direitinha no estômago.

Um . nas dúvidas. Na dúvida.
.


domingo, 16 de outubro de 2011

Reverdeces


Abro-te nas gavetas da memória.
Reverdeces.
A fertilidade das minhas lágrimas.

sábado, 15 de outubro de 2011

É a vida

E a vida é isto. Lado a lado.

sábado, 17 de setembro de 2011

Luto

O luto não é a ausência de luz. O luto é a emigração de palavras essenciais para parte incerta. O luto é saber que posso dizer mil vezes 'mãe'. Mas que nunca mais te ouvirei dizer 'filha'.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A tua vida é que é uma ilha, não tu

Edward Hopper


Aviso à navegação: O que abaixo se segue foi descaradamente furtado no There's only 1 alice.
Link

«Às vezes não te compreendo bem.»
«Sou uma ilha pequena, Paula.» Sim, uma ilha pequena, sem arquipélago, e à volta o oceano desconhecido e um nevoeiro tão denso que não deixava ver os barcos, se os havia. Mas era natural que os houvesse. Há sempre barcos em volta das ilhas. Estivera um dia numa ilha assim… A voz de Paula ria na sua sala, no seu divã. «Todos o somos, não és original.» «Mas eu sou aquela ilha.» Pequena e com praias de cascalho, não muito belas, e voltadas para oriente. O sol abandonava-as a meio da tarde e então fazia frio e a água ainda há pouco morna e confortável tornava-se gélida, matéria opaca, cheia de vida, de morte e de mistérios. Só havia uma coisa a fazer, subir, subir à procura de um resto de sol. Mas do lado ocidental era o reino das gaivotas e dos rochedos a pique. Coisas só para olhar. Ruídos que eram silêncio. E acabava sempre por regressar à tenda onde estava acampada com uns amigos. Cansada. Farta. A querer ir-se embora e sem partir. «Mas a tua vida é que é uma ilha, não tu.» «Sim, a minha vida», concordou Jô. «Mas o que sou eu sem a minha vida, o que somos nós sem ela?» «Bem, é tarde, vou deitar-me», disse Paula. «E o teu caso, na mesma?»

Maria Judite de Carvalho

Sou toda ouvidos

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sou toda ouvidos

No words


segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sou toda ouvidos

domingo, 24 de abril de 2011

Icebergue de fogo























Imagens do filme «Eu sou o amor», de Luca Guadagnino



Presa à estação das lareiras -

as mãos árticas, o peito, os circulares passos.

Mãos desérticas que arrumam rotinas.

Mãos intactas, as tuas -

mãos nuas, recém-nascidas em mim.

De ti nasci-me lume, gume

que te quer amar até às veias.




quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A luta






Arrepanho-me toda para dentro -
querer ter apenas interior.
Fui sendo dentro e fora
e agora um amontoado de palavras-dor.

Ganhei infância e morte lesma:
um quarto de brincadeira séria.
O medo de querer ser eu e eu e Eu

Um corpo-jazigo,
o mármore mole da carne.

A luta arguta de mim contra mim.


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Dias de tempestade

A Tempestade, de John William Waterhouse

Faz hoje uma semana que o meu avô paterno morreu, no hospital. Faz amanhã uma semana que o meu avô foi a enterrar. Nem eu, nem a minha mãe fomos ao funeral. Havia que cuidar dos vivos.

Enquanto decorriam as cerimónias fúnebres, a minha mãe estava a fazer quimioterapia e eu a acompanhá-la. Aí está um novo ciclo de tratamento. Até agora, a minha mãe já fez 44 sessões de quimioterapia. Quarenta e quatro. Entre as 9h00 e as 18h30 estivemos no hospital de dia. Durante aquelas horas foi entrando dentro de mim o olhar desesperado de uma outra doente oncológica. Cancro do pulmão. Enquanto fazia quimio, a senhora, de cabelo curto, recém-nascido, falou das noites mal dormidas, do sofrimento. Mas não precisava de dizer nada. Os olhos mostravam o que as palavras nunca teriam coragem de expressar: medo da morte, cansaço de lutar. Olhos que choram para dentro.

Este novo ciclo de quimio, está a ser o mais duro até agora. Cansaço extremo, vómitos, diarreia, mal-estar, cólicas, sonolência. Ontem tivemos de ir para a urgência. Enquanto a minha mãe estava a soro, na maca, procurei temporariamente descanso numa cadeira. Calhou sentar-me à porta do consultório de psiquiatria. Sai um homem de uma consulta e senta-se ao meu lado. Mete conversa. Pergunta-me se estou para a consulta de psiquiatria. Digo-lhe que não, que sou acompanhante de uma doente. Ele explica-me que se fosse doente psiquiátrica que mais valia bater à porta para falar com a doutora, que ela está de saída da urgência. Depois, começou a contar que sofria de depressão há dez anos. Nas mãos um saco plástico cheiinho de embalagens de medicamentos. Disse-me que percebia que «o copinho de leite» tivesse feito o que fez. Só com o desenrolar da conversa é que percebi que «o copinho de leite» a que se referia era o Renato Seabra.

«Sempre fui um homem calmo. Estou casado há 25 anos e por isso estás a ver que tenho um ambiente familiar estável. E, no outro dia, dei comigo com as mãos no pescoço da minha mulher, a esganá-la. E eu não me lembro de nada, devo ter tido algum lapso», desabafou ele comigo, uma desconhecida. O acto de violência não ficou pela mulher. Mais tarde, violentou a filha, no rosto. Sem encontrar justificação, nem ter memória do episódio. Ficou estupefacto quando viu sangue espalhado pelo chão e hematomas no rosto da filha.

O desespero nem sempre sobe ao olhar. Os olhos deste homem, de 49 anos, eram baços, vazios. A angústia colou-se toda às palavras. Aquele homem sabe que já se perdeu da vida e tem medo dele próprio, daí ter procurado ajuda médica. Não é a morte dele que o inquieta, é a possibilidade de, fora de si, tirar a vida ao Outro. Lucidamente, confessou-me: «Eu preferia ser internado a um dia ir parar a uma prisão».

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vermelho nascente

Imagem de Nicoletta Ceccoli


No dia em que ela se esqueceu de trancar a porta cardíaca,

fugiram todos os corvos (tinham ninhos atrás das mágoas).

Temeram que o vermelho nascente lhes tingisse as asas.