terça-feira, 16 de junho de 2009

Difamação I




Património do Tribunal alienado apenas a algumas associações

Suspeitas sobre a Misericórdia de S. Pedro do Sul


O Tribunal de S. Pedro do Sul remodelou a maioria do mobiliário que possuía desde a inauguração, em 1973. Mobilado de novo, o tribunal teve que alienar os bens antigos. Foi o que fez. Algumas associações e instituições públicas do concelho receberam mobiliário. A maioria não recebeu. A Misericórdia de S. Pedro do Sul foi a instituição que obteve o maior número de bens. Metade do mobiliário. Sobre a instituição recaem suspeitas de que parte do mobiliário recebido foi parar a casas particulares.

Texto Fernando Giestas

A lei determina que, em caso de alienação de bens de um tribunal, as associações locais sejam contactadas directamente. Não há lugar a anúncio público. Foi o que aconteceu. Algumas associações tomaram conhecimento da alienação do mobiliário do Tribunal de S. Pedro do Sul. Outras não. De todas as instituições públicas ou associações do concelho, apenas seis receberam mobiliário. Estabelecimento Prisional Regional, Posto da GNR, Misericórdia, Grupo de Teatro Cénico, Centros Sociais de Valadares e de Vila Maior.
A disparidade das peças de mobiliário atribuídas a cada uma das instituições também não é aceite de forma pacífica em S. Pedro do Sul. A Misericórdia recebeu 34 bens; o Estabelecimento Prisional recebeu 17; o Centro Social de Valadares recebeu 6; o Posto da GNR recebeu 5; o Centro Social de Vila Maior recebeu 4; o Cénico recebeu 3.
O facto de a Misericórdia de Santo António ter sido a instituição com mais bens atribuídos causa estranheza a responsáveis de outras associações locais. Dos 69 bens, a Misericórdia recebeu 34. Das três dezenas de peças, há suspeitas de posse indevida por parte de particulares.

Alienação “está nas mãos” do secretário
Fonte da Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) explicou ao Jornal do Centro o procedimento a seguir em caso de alienação de mobiliário de um tribunal. Depois de nenhum serviço da administração pública ter mostrado interesse no mobiliário, “os bens são considerados disponíveis para alienação, designadamente a título gratuito”. Depois é o secretário de justiça do tribunal a dar seguimento ao processo. “Consulta directamente as entidades da localidade, propondo a alienação gratuita às que se mostrem interessadas”. É o que determina o decreto-lei 307/94, de 21 de Dezembro. Um diploma vago, que não estabelece critérios de selecção, nem estipula anúncio público. Todo o processo fica sob a responsabilidade do secretário de justiça do tribunal. Um funcionário determina quem recebe e quem não recebe, sem grandes constrangimentos legais.
A fonte da DGAJ contactada pelo Jornal do Centro reconhece que “está na mão do secretário de justiça” definir os parâmetros da alienação, mas garante que o procedimento previsto na lei foi assumido pelo Tribunal de S. Pedro do Sul. O responsável garante que não tem conhecimento de nenhuma reclamação até à data, de nenhum processo de alienação de bens de um tribunal. “Normalmente, até há dificuldade em arranjar instituições que recebam o mobiliário”, dado o mau estado em que se encontram as peças.
O secretário de justiça do Tribunal de S. Pedro do Sul, José Martins de Barros, entra em contradição com o responsável da DGAJ quando diz que a alienação do mobiliário “não foi comunicada” a nenhuma instituição. As entidades “apareceram” e solicitaram os bens. Martins de Barros considera que o processo se resume a uma “questão de raciocínio”: as associações viram o mobiliário à entrada do tribunal e solicitaram os bens que interessavam.

Hóquei Clube considera-se excluído
Algumas associações do concelho de S. Pedro do Sul lamentam não ter sido informadas da alienação do mobiliário antigo do tribunal. O presidente do Termas Hóquei Clube, Joaquim Cardoso, faz uma acusação mais grave. Teve conhecimento “de que havia material para ser dado”, endereçou “uma carta ao secretário judicial do Tribunal de S. Pedro do Sul a solicitar mobiliário”, mas a “carta ficou sem resposta”. “Posteriormente, soube que a maior parte dos bens foi dada à Misericórdia”. Joaquim Cardoso está na disposição “de questionar o Ministério Público acerca dos destinos do mobiliário”. O presidente da Associação Cultural e Recreativa de Arcozelo (ACRA), Jorge Manuel Pereira, “soube a posteriori” da alienação de mobiliário. “Não chegou qualquer tipo de informação, senão também nos candidatávamos”.
Outra colectividade local, o grupo Alafum, também não tomou conhecimento do processo. José Fernando, responsável do Alafum, “teve conhecimento há dias, por um amigo”. Parte do mobiliário que o tribunal alienou “seria útil para guardar o espólio do grupo. Dava jeito”, lamenta José Fernando.


Caixa do texto principal, da responsabilidade do colega José Guilherme Lorena (que não foi constituído arguido):

Parte dos móveis “escavacados”
Misericórdia nega oferta a funcionários do tribunal


O provedor da Misericórdia de S. Pedro do Sul, Manuel Paiva, faz uma expressão de espanto quando é questionado sobre se alguns dos móveis ofertados pelo tribunal da comarca local terão sido dados a funcionários daquela instância judicial: “Não é verdade. Nenhum do mobiliário que recebemos foi oferecido a funcionários do tribunal.”
A garantia de Manuel Paiva é dada depois de confirmar a recepção de móveis antigos do tribunal: “Perguntaram-nos há uns meses se aceitávamos móveis. Respondemos positivamente, mas levou meses a decidir a doação. Temos aqui grande parte do material recebido”, diz Manuel Paiva, acrescentando que algum mobiliário foi “dado a funcionários” da Misericórdia e a “pessoas necessitadas”.
“A maior parte das secretárias que nos deram está toda escavacada. Só estão melhores os bancos corridos e os armários”, sustenta Manuel Paiva. Questionado sobre o número dos móveis recebidos, Paiva não se recorda, mas duvida que tivesse ultrapassado as 30 unidades. “Eu sei lá, vieram algumas coisas que estão para aí espalhadas, para além das que demos a quem precisasse”, afirmou.

“Nada” a esconder
Sobre a denúncia de outras associações do concelho, que consideram ter ficado excluídas do processo de distribuição de distribuição do mobiliário, Manuel Paiva diz estar “à vontade”. “Não pedimos nada e se alguém precisar de móveis pode vir cá à Misericórdia que nós oferecemos”, promete. Paiva adianta mesmo que têm sido emprestadas peças (bancos corridos, por exemplo) a outras instituições do concelho: “Os organizadores do ‘Andanças’ levaram alguma coisa há dias”, recorda.
Perante o pedido de serem vistos os móveis, Manuel Paiva concorda e, à vontade, diz que “nada há a esconder”. E conduz o Jornal do centro ao salão contíguo ao refeitório da instituição, onde se contam quatro secretárias, dois armários e um banco corrido. “O resto foi dado a quem precisasse e anda por aí emprestado, para além de outras peças melhorzinhas que aproveitámos para a Misericórdia. Mas se quiserem ver tudo, eu arranjo maneira de reunir o que o tribunal nos deu”, diz Manuel Paiva, acrescentando não se “importar” com as denúncias de favorecimento do organismo que dirige.
E repete, por mais que uma vez: “Se alguma associação quiser mobiliário pode vir cá que nós damos!” /J.G.L.




Editorial

Injustiças

O Tribunal de S. Pedro do Sul recebeu mobiliário novo. E teve que se desfazer do velho.
Há um norma legal que estabelece que em caso de alienação de mobiliário pertencente a um tribunal, a Direcção-Geral da Administração da Justiça procura, num primeiro momento, a afectação do material a outro tribunal mais carenciado.
Se nenhum quiser, indaga outros serviços no Ministério da Justiça.
E caso aí também não haja interessados, a Secretaria-Geral comunica à Direcção-Geral do Património do Estado para verificar se existe alguma entidade da administração pública que precise dos móveis.
Se nenhum serviço do Estado estiver interessado, o mobiliário é dado a instituições da localidade onde está o tribunal. Neste caso S. Pedro do Sul.
Muito bem.
Só que o mesmo diploma que define, com extremo rigor, o percurso a fazer até esgotar os interessados na administração pública não usa, do mesmo rigor, na alienação a entidades exteriores ao Estado.
Pega-se no mobiliário e entrega-se.
Sem concurso público.
Sem critérios de distribuição.
Sem preocupação em levar a informação a todas as entidades eventualmente interessadas. Todas mesmo.
E concentram-se peças numa só mão. Sabe-se lá porquê. E em nome de quê.
Não admira que as suspeições se levantem.
Não admira que as queixas se sucedam.
Não admira que a justiça se transforme em injustiça.
Isto quando bastava levar a preocupação um pouco mais longe.

Isabel Costa Bordalo

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