domingo, 1 de fevereiro de 2009

Impressão regional

Imagem de Alfio Catania


Um dos melhores elogios que ouvi saiu da boca de um elemento da direcção da Sojormedia, holding do grupo Lena que constitui o maior grupo nacional de comunicação social regional, e que se prepara para lançar um jornal nacional. «Os teus textos são muito elitistas», disse-me ele. Esta afirmação soou-me a uma visão puramente mercantilista do jornalismo. Senti um certo tom de desprezo a envolver o conteúdo da frase: «Os teus textos são muito elitistas». O senhor Sojormedia referia-se, em particular, aos textos que eu escrevia para a secção de Cultura de um jornal. [Vá que a Sojormedia nunca pensou em recrutar, para as redacções, os trolhas e engenheiros civis que ajudaram o grupo Lena a fazer fortuna. E isso é louvável, cada macaco no seu andaime]

Já não me recordo do que terei respondido ao senhor Sojormedia. Provavelmente, não me terei empenhado muito a mostrar o que para mim é óbvio. Contra-argumentar seria exercício de puro desgaste. Explicar que se elitismo é tratar os leitores com respeito e não como débeis mentais, se elitismo é deixar transparecer que o jornalismo é fonte de prazer e não um frete, se elitismo é ter consciência de que um leitor só lê um texto se o jornalista o souber agarrar logo no primeiro parágrafo, se elitismo é contar uma história com sensibilidade, se elitismo é isso, sim sou elitista.


O nivelamento por baixo é uma coisa que me causa comichão [coisas de jornalistas armadas em elitistas]. Faz-me ranger os dentes a ideia de que um jornalista é um tapa-buracos, cuja grande missão é encher [seja com o que for] espaço vazio entre anúncios de publicidade. É atroz ver, muitas vezes, os jornalistas [não confundir com copistas] remetidos ao desprezo, com o departamento comercial a querer dar ordens na redacção. Só quem não conhece a imprensa regional, por dentro, é que não sabe a pressão que, demasiadas vezes, é exercida - descarada ou subliminarmente - sobre os jornalistas.


Por conhecer a imprensa regional, dá-me vontade de rir a [cândida ou pseudo?] preocupação da Entidade Reguladora da Comunicação Social. No dia 27 de Janeiro, em Leiria [ironia maior ser nesta cidade], o presidente da ERC afirmou: «Se a crise afecta e vai repercutir-se, por exemplo, no mercado publicitário, é provável, infelizmente, que também possa atingir este domínio da imprensa». Naquele que foi o primeiro de um ciclo de encontros com a imprensa regional de todos os distritos do país, Azeredo Lopes, referiu ainda: «Se isso acontecer, de alguma maneira a liberdade de imprensa sofre e isso é algo que preocupa o conselho regulador» da ERC. A imprensa regional não precisava do fantasma da crise económica mundial para estar em crise.


Gostava que a preocupação da ERC se traduzisse em actos reais. Gostava que se olhasse para a imprensa regional mais de perto, sim, sentir-lhe o pulso e não desviar os olhos da imprensa de proximidade. Gostava que fosse possível encontrar, em permanência, projectos regionais sustentáveis de real qualidade, com jornalistas com J, com administrações com amor pelo jornalismo e com uma visão ética do capitalismo. Aos leitores cabe também um papel maior: o de serem consumidores exigentes, atentos, esclarecidos.

Eu que já fui preconceituosa em relação à imprensa regional, eu que já me entreguei de corpo e alma [muita alma] a um projecto regional [que, em tempos, considerei exemplar porque tinha uma equipa singular], eu, que já tive orgulho de trabalhar na imprensa regional [ e que vi o mérito reconhecido por os pares nacionais], voltei ao desencanto. Contudo, há jornalistas sérios e empenhados em fazer jornalismo de qualidade em órgãos de comunicação social regionais. Jornalistas resistentes e angustiados.


É irrespirável trabalhar numa redacção onde os jornalistas são olhados, pela administração, como despesa inútil e como desejados pés de microfone dos anunciantes. Saí da imprensa regional, de cabeça erguida. Saí eu e os meus textos elitistas.



5 comentários:

Violet disse...

Não te sabia jornalista. Gosto de ler. As palavras saem sempre mais afinadas da boca de quem as sabe escrever.... De elitista tens pouco...afinal passas pelo meu cantito !;) Beijinhos

Alexandre disse...

duas coisas: a imprensa escrita está no buraco em que está porque nivelou por baixo. havendo muita merda no mercado, funciona a lei da oferta e da procura: a merda sai ao preço da chuva, só nela de destacando a ocasional pepita de ouro.
outra coisa: a minha experiência com a imprensa regional é, geralmente, má.

Ana disse...

Como gostei de ler este teu post. Gostava de conseguir ser assim tão clara como tu, ter essa capacidade de analisar "sem resentimentos" um projecto que já o foi. Não sei se me faço entender. O que me entristece, é que este (agora pseudo) projecto não é a única porcaria no espaço da imprensa regional, há muitos mais assim.

Liliana Garcia disse...

Ana, amiga, tu és uma pepita de ouro [aproveitando a expressão do Alexandre], no meio da «porcaria». És uma resistente.

E se falo com algum distanciamento desse projecto é porque já se passaram uns anitos, desde a saída. Mas as histórias que trouxe dão para vários posts, ai se dão :)

francisco carvalho disse...

Muito bom. Devia ser publicado em todos os jornais nacionais.
Parabéns por tão bem expressa clarividência.