quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Amores vulgares

Imagem de Alice Lemarin


Sinto-me a falhar os amores vulgares. Uma certa predisposição para falhar as possibilidades, as oportunidades palpáveis, viáveis. Silencio-as, desprezo-as, não dou espaço para a tentativa [mas penso e se, e se, e se]. Teimo nos amores etéreos, intensos de sentimento e intelecto, falhos no resto. Castelos no ar, sem desenho arquitectónico, sem engenharia, com alicerces profundos, mas em permanente estado de estaleiro. [Serei uma sem-abrigo como o Manhoso]


Quando amo, amo persistentemente. Sou dele porque dentro de mim há um lugar que é nosso. Ausência de olhos para outro, por mais belo, inteligente, sedutor, sensível, meigo que esse outro seja. Não tenho talento para silenciar a obstinação.


Mas não sou previsível. Ilude-se quem me julga ter como bicho domesticado. Reviro a minha vida, quando um sinal – o sinal - se insinua. Começa por ser vago, mas aos poucos torna-se espesso e indisfarçável. E aí decido facilitar a vida a mim própria.

[Cansaço de círculos]


Manhoso, sabes o que não me saia da cabeça enquanto escrevia este post? A história que uma amiga, das nossas lides profissionais, escreveu sobre uma família numerosa. Uma história de amor que tinha tudo para não existir, falasse mais alto o comodismo. Mas amar é desbloquear. E foi isso os protagonistas da história fizeram. Nos obstáculos rasgaram janelas.


Um portuense conheceu uma modelo lituana numa discoteca do Porto. Ela estava a passar férias em Portugal, com uma amiga. Ele perguntou-lhe onde estava alojada e ela mentiu-lhe. Ele fez por descobrir onde ela estava e deixou-lhe flores, na recepção da residencial. A modelo aceitou um convite para almoçar e não se largaram mais durante as férias.


No dia de partida, ele pediu-lhe que voltasse a Portugal. A rapariga, com noivo na Lituânia, pensou que nunca mais iria ter contacto com o jovem portuense. Mas o rapaz foi persistente e ligava-lhe três vezes por dia. Um dia, ela recebeu em casa uma carta, com um bilhete de avião com destino a Portugal. Ao chegar cá, foi surpreendida com um pedido de casamento. Sete meses depois de se terem conhecido, tornaram-se marido e mulher. Hoje têm seis filhos.


O amor pode ser isto…pura intuição, pura vontade de estar com o outro, sem pensar muito nos prós e contras da mudança. O amor pode ser deixar que a emoção vire a nossa vida de pernas para o ar.


Há dias em que determinadas histórias nos caem no regaço de supetão e nos fazem despertar. Esta deixou-me a pensar. Não vi ali, na história, nada de sofrido, nada de trágico, nada de épico. Um amor excepcional, de tão vulgar e firme que foi a vontade mútua de quererem estar juntos. Isso dos amores impossíveis, eles reservam para as sessões de cinema, ao domingo à tarde.

4 comentários:

Robin K disse...

"Teimo nos amores etéreos, intensos de sentimento e intelecto"...

Só vejo possibilidades de amor se for assim. Mesmo sabendo que isso representa frustração e sofrimento.

Identifiquei-me muito com este teu texto.

Anónimo disse...

Parece-me que fica provado: vale a pena falhar amores vulgares. :)

(Ainda ontem falhei um!)

Beijinho

Liliana Garcia disse...

Robin K,

Não sei se é bom teres-te identificado com o meu texto :)

[Isto de nos sentirmos sismógrafos é cá um desassossego e a taquicardia, ui!]

Manhoso,

Ah, malandro, então falhaste ontem um amor vulgar! Quero saber, quero saber :)

Para além de sismógrafos, somos alpinistas... a vista sublime só se consegue com muito esforço, entrega, paciência, não é? :)

Mas caramba, a montanha,a digníssima montanha, objecto do nosso amor, às vezes, podia facilitar um cadito a vida :)

francisco carvalho disse...

Mais um excelente 'post'!