Imagem de Bogac Erguvenc
Hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa dele e faz
amor com ele
e parece sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher, nem na alma
quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje, que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando,
e como
mas o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tem tormentas na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem
e morrem na mesma noite em que amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como eu,
que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que contempla a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
Juan Gelman
Hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa dele e faz
amor com ele
e parece sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher, nem na alma
quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje, que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando,
e como
mas o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tem tormentas na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem
e morrem na mesma noite em que amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como eu,
que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que contempla a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
Juan Gelman
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