Imagem: Jovem, de Isabel Sabino
Clara percorre a estrada, sob a vigilância azul do céu. Pressente que as nuvens manipulam os fios do destino. Sente-se marioneta, no desengonço do passo. Esmagada [quem a protegia do céu?]. “As boas meninas vão para o céu”, sibilava a catequista, no tempo em que as crianças não confundiam um versículo com um verso ridículo.
Agora, Clara sabe que as meninas que foram para o céu querem nascer de novo. Dão pontapés no útero nubívago. Rebelam-se contra a serenidade burguesa, contra os bibes engomados, contra cabelos alinhados.
As boas meninas querem ser raparigas boas, modelos de campanhas publicitárias de lingerie ou capa de revistas masculinas. Não querem ter dinheiro para casar, mas casar para ter dinheiro. E querem casar para ter o prazer da infidelidade. E querem a infidelidade para pecar. E querem pecar para se lembrarem de Deus. E querem lembrar-se de Deus para se lembrarem da catequese, da infância. E então chorar…para usar óculos escuros e recordar Platão e uma certa caverna.
1 comentário:
confesso: tive que ir ver nubívago
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