terça-feira, 14 de outubro de 2008

Veste-te

«(…) o que mais temiam nas mulheres era esse sentimento de antecipar as coisas. A indumentária, o penteado, mostravam quanto elas experimentavam a imaginação dos homens. Eram mais perigosas vestidas do que nuas». (Agustina Bessa-Luís, in «Jóia de Família»)


- Veste-te! – ordenou-lhe. Não suportava vê-la vulnerável. A nudez, física ou anímica, perturbava-o. Ele gostava de mulheres perigosas. Não queria familiaridade, não queria percorrer os sinais do corpo dela, como se fossem constelações. Não queria conhecê-la, saber que vidas, continentes, astros, ela trazia dentro de si. Queria-a contida, de espartilho. Mais observadora, que oradora. Queria-a perigosa, hábil na gestão de silêncio. O mistério era uma barricada desejável. Tinha de senti-la perversa, para ter prazer no saque. A mansidão na mulher causava-lhe repulsa.

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