A alma de um escritor é um mistério. Lemos e não nos iludamos: nunca encontramos a revelação. As palavras não revelam. Lançam novos véus.
A interrogação, uma bengala permanente, à qual nos seguramos para não admitirmos que não queremos todas as respostas, mas todas as ilusões.
A interrogação, uma bengala permanente, à qual nos seguramos para não admitirmos que não queremos todas as respostas, mas todas as ilusões.
«Violaste a lei do distanciamento estético. Sentimentalizaste a experiência estética com essa rapariga: personificaste-a, sentimentalizaste-a e perdeste a noção do distanciamento essencial para o teu gozo. E sabes quando isso aconteceu? Na noite em que ela tirou o tampão. O distanciamento estético necessário desmoronou-se, não enquanto a vias sangrar - isso esteve bem, foi bom -, mas quando não pudeste conter-te e te ajoelhaste. E que diabo te levou a isso? O que existe atrás da comédia de essa rapariga cubana levar um tipo como tu, o professor do desejo, ao tapete? Beber o sangue dela? Eu diria que isso constituiu o abandono de uma posição crítica independente, Dave. Adora-me, diz ela, adora o mistério da deusa a sangrar, e tu obedeceste. Nada te faz deter. Lambes o sangue. Consome-lo. Digere-lo. Ela penetra-te, a ti. O que virá a seguir, David? Um copo da urina dela? Quanto tempo decorrerá antes de suplicares pelas suas fezes? Eu não sou contra isso por ser anti-higiénico. Não sou contra isso por ser repugnante. Sou contra isso porque é apaixonar-se. A única obsessão que toda a gente quer: "amor". As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platónica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fractura-nos. Estás inteiro e depois estás fracturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. E durante ano e meio lutaste para o incorporar. Mas nunca serás inteiro enquanto não o expelires. Ou te livras dele ou o incorporas através da autodeformação. E foi isso que fizeste e te levou à loucura».
Philip Roth, in O Animal Moribundo
Philip Roth, in O Animal Moribundo
3 comentários:
pasmo pela beleza da imagem que se ilustra no texto e no texto que a acompanha...
"Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fractura-nos."
e de que maneira...
e agora vou procurar o Animal Moribundo
Tenho seguido a obra incómoda (para os homens) deste escritor. Às vezes penso se a recomendaria aos meus amigos; existe um certo extertor do género expresso numa fluidez pastosa das palavras...
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