sexta-feira, 10 de julho de 2009

Emparedados




Em «Home - Lar Doce Lar», de Ursula Meier, os rails de uma auto-estrada funcionam como objecto simbólico (falível) da separação das águas públicas/movimento/anonimato e das águas privadas/quietude/identidade. Viver ao lado de uma auto-estrada (ainda que com as obras paradas durante mais de uma década) representa, para esta família, um modo de isolamento. Não há ali cruzamentos, nem passadeiras; há marginalidade.

No filme, uma mulher emparedada antes de o ser literalmente, ao jeito das freiras que seguiam uma ordem religiosa de clausura extrema e eram confinadas, para toda a vida, a um pequeno espaço com quatro paredes. O rádio, o ponto de contacto desta mulher com a vida fora do reduto familiar. Uma filha que se fecha dentro de si mesmo, outra que se quer abrir ao mundo. Um miúdo à descoberta do que é ser mundo, no mundo. O caos exterior exacerba o caos interior. A resistência. A solidão, dos dois lados dos rails.


Este filme faz-me regressar ao livro «Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade», de Marc Augé. Este antropólogo francês define não-lugar como um lugar que não é relacional, nem identitário, nem histórico. Exemplos disso são as auto-estradas, os aeroportos ou as grandes superfícies comerciais.

«O que é significativo na experiência do não-lugar, é a sua força de atracção, inversamente proporcional à atracção territorial, ao peso do lugar e da tradição. Testemunhas desse facto são a precipitação dos automobilistas para as estradas, aos fins-de-semana ou nas férias, as dificuldades dos controladores da navegação aérea em dominar o engarrafamento das vias aéreas, o êxito das novas formas de distribuição. (...) Se os imigrantes provocam, nas pessoas instaladas, uma inquietação tão forte (e frequentemente tão abstracta), é provavelmente, e em primeiro lugar, porque lhes demonstram a relatividade das certezas inscritas no solo: é o emigrado que, na personagem do imigrado, os inquieta e fascina ao mesmo tempo».


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