sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Um pouco mais de azul

Pintura Habitada, de Helena Almeida


Há quem queira trocar de carro. Há quem queira trocar de casa. Há quem queira ter férias em destinos paradisíacos. Há quem queira ter os gadgets mais xpto. Há quem queira encher o armário com dezenas de sapatos. Há quem queira aparentar mais sinais exteriores de riqueza que o vizinho ou os colegas de liceu. Há quem se sinta frustrado e infeliz por não conseguir realizar esses sonhos com código de barras.

Eu só queria passar menos tempo no hospital. Só queria não estar tão familiarizada com os rostos de tantos médicos, enfermeiros e auxiliares [por mais competentes e atenciosos que sejam, e que são]. Só queria não ver a minha mãe sofrer, o meu pai irritadiço e de rosto tenso e o meu irmão a viver de forma desapaixonada. Só queria ver o meu olhar cheio de certezas e serenidade. Só queria que palavras como neoplasia, quimioterapia, colonoscopia, ecografia, tac, cateter, não estivessem tão presentes na minha vida.

Gostava que a minha tristeza se reunisse apenas em torno das viagens que não foram feitas, do carro que não foi comprado, dos sapatos que foram apenas cobiçados. Gostava de ter mais futilidade e leveza na minha vida [nunca pensei vir a dizer isto]. Gostava que cancro fosse um vocábulo distante, um rumor longínquo.

Só queria que este post fosse ficção. E que, há dois anos, não tivesse [tivéssemos] levado um valente murro no estômago.

[Amanhã estarei melhor. Quando encontrar o sorriso de uma mulher extraordinária a iluminar uma cama de hospital]


P.S. A mulher extraordinária que tem passado umas temporadas no hospital é a minha mãe. Para que não haja equívoco.

11 comentários:

Sininho disse...

Força miúda..tu és forte..jinhos

Liliana Garcia disse...

Obrigada, Sininho :)

Sim,sou forte, com aparência de fragilidade. Signo de fogo tem de encontrar sempre brasas de alento, não é? ;)

Beijinho

Sininho disse...

:) olha que temos várias semelhanças ..ambas com signo de fogo ..e ambas com uma certa aparência frágil..mas só aparência :)..jinhos e bom fim de semana (sabes onde me encontrar ...)

Crown of Love disse...

Infelizmente a vida prega-nos destas partidas...passamos os dias com pontos e mais pontos de interrogação, não encontramos respostas, e as perguntas crescem cada dia que passa...e cada dia que passa tens de ter força para poderes ser tu a dar um sorriso a quem do outro lado também vos precisa ver bem.
Um grande kiss.

Robin K disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Robin K disse...

Ao ler uma segunda vez o teu texto é que entendi que........que o entendi mal.
As minha sinceras desculpas.

Afinal...conheço a tua posição de perto. Na na primeira pessoa, mas na segunda. Uma segunda muito próxima.

Beijos e mais uma vez, sinceras desculpas.

Liliana Garcia disse...

Crown of Love, obrigada :)

Em cada visita, procuro levar um sorriso...e fazer sorrir também.

Beijinho.

Robin K,

Vi que eliminaste o primeiro comentário. Portanto, não percebi bem o teu equívoco. Mas, reli o meu post e percebi que, para quem não leu um post mais antigo, podia suscitar dúvidas. Não sou eu quem está a viver a experiência na pele. É a minha mãe que tem cancro.

Beijinho

Violet disse...

Conheço as mesmas paredes, de ângulos diferentes. Que a tua força perpetue a tua paz. Que te encha de coragem, de humanidade, de compaixão, de ausência de dor para os tempos que sempre se seguem. Que te ajude na luta, na angústia, na dúvida, no medo e na certeza que amanhã a luz será mais quente. Um abraço.

Liliana Garcia disse...

Violet,
sim, amanhã a luz será mais quente ;)

No meio da dúvida e angústia, tenho uma certeza: a minha mãe está em boas mãos. A acompanhá-la,um cirurgião com boas mãos e gestos atentos e afectuosos.

Um abraço

Paulo disse...

desculpa.. costumo sair sempre com algumas palavras no bolso.. e estou agora aqui a olhar para este quadrado em branco e reparo que não tenho palavras. Mas queria muito ter. É que todas as palavras me parecem fúteis e pequeninas. E como fiquei sem palavras para te deixar, também fiquei com algum espaço. E lembrei-me que posso dar uso a esse espaço. Assim no espaço das palavras que não tenho, vou levar um pouco do teu sentir. Do teu sentir mais pesado. Para que fiques tu um pouquinho mais leve. Talvez assim te sintas um nadinha melhor. Eu sei que só posso levar mesmo um nadinha de nada, mas já fico contente se ficares tu um nadinha mais leve.

Beijo

Mente Hiperativa disse...

É nessas horas que tomamos a dimensão de nossa pequenez

É assim que percebemos como somos egoístas e superficiais, ligando apenas para o que há te material

É assim que a gente entende o verdadeiro valor das coisas, a gente entende o que REALMENTE tem valor

Espero que esse tempo tenha passado, e que independentemente do que tenha acontecido você esteja bem. Nessas horas eu penso que é melhor valorizar a qualidade de vida em detrimento à duração de tempo. Enfim, gostei muito do texto.