quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Máscara


Imagens de Sylvain Norget


Manel era aquele menino que gostava de saltar ao elástico com as meninas, nos intervalos das aulas. Manel era o rapaz que preferia as conversas adocicadas das meninas ao tribalismo aguerrido dos meninos. Manel era um adolescente cheio de gestos expansivos, com a vontade de conversar sempre desperta. Era usual vê-lo na rua, de sorriso animado, a trocar brasas de coscuvilhice com o mulherio de língua aguçada. Pedia conselhos às vizinhas sobre a melhor forma de passar a ferro uma camisa, o melhor modo de fazer um refogado.

Muitas vezes, a voz do povo chamava-o de menina, dizia que seria larila. Sempre pensei cá com os meus botões que ele, com aquele jeitinho morno de abraçar as meninas, é que era esperto [qual larila, qual gay, qual quê!]. Estava mais próximo delas, conhecia-lhes a sensibilidade, os segredos, a melhor forma de lhe conquistar os afectos. Mais esperto que os outros toleirões, que se julgavam muito machos por andarem à porrada uns com os outros ou aos apalpões às raparigas em florescência.

Manel cresceu, ganhou rosto de barba. Conheceu uma brasileira, de sensualidade arrebitada, que o levou ao namoro. E depois ao casamento. Entre uma coisa e a outra, para dar paredes ao amor, construiu uma discreta moradia. O papel social estava a ser consumado. Cumpriu todos os rituais que o povo casamenteiro intima a quem está solteiro [só ainda não cumpriu o papel que a sociedade exige a quem já está casado: ser pai].

Manel foi perdendo aquele riso fácil e franco. Passou a um estado de contenção. Os ombros desmoronados. Cumprimenta os conhecidos de sempre com a voz fechada.

Há uns tempos criou uma página no hi5. Optou por não revelar o rosto, só o nome. Começou por adicionar os conhecidos de sempre, para se sentir acompanhado, em silêncio. O círculo foi-se ampliando. Agora, nas recentes adições de amizade só se vêem homens que teimam em mostrar-se como pedaços de carne, músculos em erecção, cabelo amansado pelo gel.

As páginas de hi5 desses homens, de peito aberto, não escondem o padrão de interesse: conhecer homens. E os grupos a que se associam intitulam-se de Gaynamoros, Lisboa Encontros, Banheiros Masculinos, Broches, Punheta, Canzana e outros nomes assim de coisa explícita.

O Manel que só queria a companhia das meninas procura agora a intimidade dos homens. Se ganhasse voz, a ingenuidade perguntaria: se ser gai é ser alegre, porque é que ele agora é triste?

4 comentários:

Robin K disse...

Acho que é uma questão para a qual muita gente gostava de ter resposta.
Gostei muito do texto. Escreves belissimamente.

Filipa Júlio disse...

"os ombros desmoronados"
gosto imenso da imagem.
e, subscrevo o comentário anterior, a parte do gostei muito e do escreves belissimamente.
:)

Violet disse...

CAda um vive no seu armário....cada um com os seus fantasmas...

Liliana Garcia disse...

Robin K e Filipa Júlio, obrigada :)

Violet, sim, cada um de nós com os seus fantasmas...e quando estes acordam, nem sempre se está preparado para lidar com eles...

Beijinhos