Só queria que este post fosse ficção. E que, há dois anos, não tivesse [tivéssemos] levado um valente murro no estômago.
P.S. A mulher extraordinária que tem passado umas temporadas no hospital é a minha mãe. Para que não haja equívoco.
«O título do livro pensara nele enquanto olhava fixamente para a montra de uma pastelaria cheia de porquinhos de maçapão. Há já algum tempo que eu andava interessada na questão do canibalismo simbólico.Na altura, eram os bolos de casamento, encimados pelos seus noivos de açúcar, que muito em particular me fascinavam», Margaret Atwood
Porque os The Gift vão ser sempre nossos. Porque os The Gift nos transportam para o campus do sonho, do crescer, do querer ser. Porque Braga nos uniu, nos fez escolhermo-nos uns aos outros. Porque, apesar das circunstâncias geográficas, continuamos [ e continuaremos, emos, emos] juntos. Por tanta, tanta coisa, e também por, como diz e bem a Alf(ace), a amizade ter som e por nós termos aprendido que a vida não é simples, aqui fica «Ok! Do you want something simple?».
Sei que, perto daqueles miúdos, te sentiste imensamente abençoado por teres tido uma infância amada e amável, por teres tido uma adolescência povoada pelo companheirismo d' Os Suspeitos do Costume. Por, no início da vida adulta, nesse útero que é o campus universitário [parafraseando a Clara Pinto Correia], teres conhecido pessoas que te desviaram da missa dominical. Imensamente abençoado por teres amigas [duas chatas lindas, não é?] que te lembravam que pronunciar «passamos» e «passámos» de forma igual não era o mais correcto fora da geografia nortenha. Imensamente abençoado por teres tido a serenidade económica de uma bracarense família de classe média, sem sentires necessidade de despir as malhas Paul & Shark e vestir uma irreverência insolente.
Sei que, perto daqueles rapazes de sonhos sem nascença, te sentiste imensamente abençoado por, durante o curso, teres ao dispor uma potente carrinha que nos desencaminhava das aulas de Filosofia Social e Política e nos levava para o Bom Jesus [às vezes, sabia bem ver a Universidade do Minho por um canudo], ou para as sessões de cinema no Bragashopping. Sei que te sentiste imensamente abençoado quando, pela primeira vez na vida, saíste de casa dos pais, para ires estagiar na «Chique» Notícias. Abençoado por teres os abraços dos teus pais e manos, as lágrimas quentes da tua mãe, o apoio dos teus amigos, a tua determinação.
Sei que, ao ouvires um dos rapazes institucionalizados dizer que não sabe o que é o amor, te sentiste imensamente abençoado por, nos bancos da UM, teres encontrado uma rapariga de Santa Comba com quem podias falar do vosso Benfica e do vício pelos Ficheiros Secretos, uma rapariga que rejeitou os propósitos amorosos da tua serenata, a mesma rapariga que, anos depois da rejeição, se tornou a mulher da tua vida [vocês estavam destinados a ficar juntos, todos sabíamos disso]. Perante aqueles miúdos da Casa do Vale, sei que te sentiste imensamente abençoado por, em breve, ires ser pai do Gonçalo. E saberes que dos teus gestos só irá sair amor pelo teu, vosso, filho.
[Motinha, já reparaste que nos conhecemos há uma dúzia de anos? E que uma boa reportagem serve de pretexto para falar de amizade?]
Na clínica Lacuna Inc., o médico Howard Mierzwaik desenvolve um processo de eliminação de memórias. A partir da criação, no cérebro, de um mapa, os técnicos da clínica conseguem extinguir o núcleo emocional de cada memória. Os pacientes querem fazer delete à dor, anseiam esvaziar o peito. E seguir sem stop's emocionais.
Amor e dor, tão dentro um do outro. A coexistência das diferenças numa relação amorosa: a timidez e introspecção de Joel e a extroversão e extravagância de Clementine. A relação estilhaça com a força das divergências. Clementine procura os préstimos do dr. Howard para apagar da memória Joel. E Joel faz o mesmo. Durante o processo de eliminação das memórias que o unem a Clementine, Joel redescobre o que o faz amar aquela mulher. A dor vai-se esvaindo, tal como os momentos felizes. Joel arrepende-se, mas todo o mundo afectivo criado com Clementine está a desaparecer, como um rio que descongela. Joel sente o desamparo da orfandade afectiva. Haverá retorno?
[O coração conhece o caminho para casa. Intuitivo e cego]