sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Arranha céu da boca

Imagem de Kostov Nikolay



Folheio palavras passadas e resgato um pedaço de escrita de Maio de 2000. Desengane-se quem pense que na origem esteve um grande amor. A banda sonora por aqueles dias era o álbum Fábula, de Maria João.



Tu és palavra,
não significas muito ou pouco.
Significas tudo ou nada,
ou futuro.

És olhar
sem o veres.
Olhos de verbo escuro,
de tinta permanente escrito.

Trocamos correspondência
sem papel, nem código postal:
tu lês-me,
eu deixo-me ler.

Trocamos:
agora, um girassol desenraizado´
a ler a inclinação de um sol.
Lumes no chão.

O teu rosto,
areia de madrugada.
Aqui e ali
gaivotas em asas de barba.

Corro à beira-olhos, teus.
Duas algas de alma
serpenteantes, nas escamas
brilhantes das marés - os meus.

Apanho a tua voz,
na geometria de uma rede
e guardo os sons
na espiral de um búzio.

Escavo um buraco
na aridez das areias dos dias.
Procuro a humidade frágil
do castelo de um arquitecto de afectos.




Significâncias XII


Esta tartaruga de madeira acompanha-me há anos. Um presente comprado certamente pelo interesse estético despertado na amiga-mana. Mas não deixo de olhar para a tartaruga e de ver nela um lembrete à ansiedade: devagar se vai ao longe.

Penumbra

Imagem de Helena Oganesyan



É na penumbra que os animais aprendem a olhar-se.
Os olhos seguindo o vento de dentro
a vertigem da esquina depois da pele.
Deixo o peito descalço para que me ceifem às cegas.
Na penumbra aprende-se o peso luminoso dos dias.

Catarina Nunes de Almeida

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Significâncias XI


Em finais do Verão de 2007, sou surpreendida com a chegada, ao correio, de um envelope oriundo da capital da Coreia do Sul. Descubro que um artigo meu publicado num jornal regional, de Viseu, foi citado na folha de sala e no flyer do Festival de Artes de Rua de Sowon, nas proximidades de Seul. Em causa está uma frase sobre o espectáculo Charanga, da companhia Circolando. Lá está a citação, as iniciais do meu nome profissional e a referência ao jornal onde trabalhei.
O amigo que me enviou a carta é técnico de luz, actor e encenador e, em trabalho, acompanhava a Circolando, no dito festival. Lá longe, ele lembrou-se do conceito de aldeia global: «É estranho, mas tive aquele sentimento de alegria parolo e provinciano de que Viseu estava ao meu lado do outro lado do mundo». Estamos todos perto, quando estamos dentro uns dos outros (como matrioskas) e sentimos a vida pelo avesso.

Significâncias X


À conversa, com os passos dirigidos à Imaginarium. Entrámos pela porta grande porque a pequenina é para gente com os sonhos intactos. Ele comprou um presente para uma menina e, sem que eu desconfiasse, também para uma senhora menina. Saímos e, então, passa-me para as mãos duas bolinhas, cada uma com uma letra: V e N. «É para assinalar a tua Vida Nova», terão sido as palavras deste amigo. Como duas bolinhas tão mínimas podem despertar emoções tão crescidinhas.

Significâncias IX


Uma caneca de metal para saciar a sede de conversa ou do mais que se quiser. Longe de metáforas, uma caneca pode ser uma lembrança do que não se viveu. É o caso. Esta foi oferecida por quem foi onde eu gostava de ter ido. Falhei o Andanças 2008, mas uma mão atenta lembrou-se de mim e trouxe-me o recipiente "ecológico", com marca Pé de Xumbo. Ficou registado. Para o ano tenho de ir a S. Pedro do Sul encher a caneca de emoções dançantes.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Significâncias VIII


O marcador de livros mais lindo do (meu) mundo. As palavras e os olhos de quem lê precisam de ser mimados. Este mimo de papel foi-me oferecido pela pessoa que eu conheço com mais ânsia de mundo, de saber, de criar. Inquietude em estado criativo. Um contador de estórias que entrou na escrita de mansinho, que é o modo certo de entrar nas coisas.

domingo, 21 de setembro de 2008

Significância VII


Esta foi uma grande surpresa depositada nas escadas de minha casa, já a noite ia na metade mais escura. Um telefonema teimoso, a vontade de saber onde eu morava. O desejo de me entregar um presente. Já estava de pijama, no aconchego dos lençóis. Disse que não, que não ia à rua àquela hora. Disse-lhe qual o meu endereço. Ele deixou o fóssil e partiu. Eu sai da cama, desci as escadas e recolhi aquele pedaço de história que conta estórias. A noite aclarou, com um sorriso.

Significâncias VI


Este bombom, de roupagem calorosa, veio parar às minhas mãos num dia de chuva, há uns bons anos. Aliás, só o tenho por causa da chuva. Havia um problema (que era a chuva) e afigurei-me como a solução (dotada de guarda-chuva). À saída do campus universitário, um desconhecido, tão estudante como eu, pediu-me "boleia" até ao automóvel. Chapéu que abriga uma cabeça, abriga duas...e lá fomos os dois, por instantes, em sintonia de passos. Ao chegarmos ao carro, ele tira da algibeira o bombom e dá-mo como forma de agradecimento. Não fixei o rosto dele. Ficou o gesto, arrumado num pequeno baú de madeira.

Significâncias V


Não, este chapéu de chocolate não serve para me abrigar dos lacrimejos destas nuvens dominicais. Este guarda-chuva foi-me oferecido por um amigo, no dia em que ele soube que eu tinha ganho um prémio de destaque nacional, em 2004. Talvez ele intuisse que o prémio iria fazer alguém chorar de inveja e que eu precisaria de um abrigo...lol

Significâncias IV


A nostalgia bateu-me no ombro e fiquei com vontade de ter um cubo mágico. Aquele com que me entretera na infância perdeu-se no vão da escada etária. Não havia meio de encontrar, à venda, o cubo Rubik's, até que uma amiga me surpreendeu com a oferta de um. Sinto-me frustrada; quando era miúda parecia mais simples alinhar as cores do cubo.

Significâncias III


Um desenho do meu bisavô quando este tinha 94 anos. O desenho não se perdeu na gaveta do esquecimento. E o meu bisavô ainda cá anda, a desafiar a vida. Tem 99 anos, lucidez, gosto pela vida e é teimoso que se farta. Começa a dizer que, quando morrer, não vai deixar "soidades". "Os velhos quando morrem não deixam soidades, os novos sim", soltou ele, há dias, com uma tranquilidade desconcertante.

Significâncias II


Este trevo de quatro folhas mantenho-o guardado no meio de palavras. Foi-me oferecido por uma amiga, antes de ir a uma entrevista de emprego. Sorte a minha, em ter amigos assim, doces e atentos...

Significâncias I


São significantes, muito significantes. Estes objectos colam-se à memória, sem preço. Valem pelo momento, pelo gesto, pelas emoções que bombeiam o coração. Valem pela amizade, pelos laços fortes que se viveram...uns diluiram-se no tempo, outros perduram. Ficam os gestos. A minha vida com valor acrescentado.



Este chupa-chupa verde decorado com um cogumelo, de sorriso desafiador, entrou na minha vida em Junho de 2000, no Bragaparque. Um chupa-chupa para adoçar a época de frequências, na Universidade do Minho.

sábado, 20 de setembro de 2008

Mar de sargaços

Imagem de Oana Cambrea
«Olhou em volta, para todas as mulheres que ali se encontravam, para as bocas que se abriam e fechavam, fosse para falar ou para comer. (...) Ali onde as via, todas envergavam os seus vestidos para figuras maduras. Eram maduras, algumas até tinham amadurecido demasiado depressa, e outras começavam já a transformar-se em passas; pensou nelas como criaturas presas a uma vinha invisível por meio de caules que lhes saíam do cimo das cabeças, assim penduradas nos vários estádios de crescimento e decadência... (...)

Eram criaturas peculiares; e havia o seu fluxo contínuo, interior e exterior; as coisas que ingeriam, as coisas que expeliam, as coisas que mastigavam - palavras, batatas fritas, arrotos, laca, cabelos, bebés, leite, excremento, bolinhos, vómito, café, sumo de tomate, sangue, chá, suor, bebidas alcoólicas, lágrimas ou lixo...
Sentiu-as por um instante - as suas identidades, quase a sua substância - , a passarem por cima de si como uma onda. A seu tempo, também ela ficaria assim, ou talvez já fosse assim; era uma delas, o seu corpo era o mesmo, idêntico, fundido com a restante carne que abafava o ar daquela sala florida com o seu aroma orgânico; sentiu-se sufocada por aquele espesso mar de sargaços de feminilidade. Respirou fundo, fazendo com que o seu corpo e a sua mente voltassem a si, como uma táctil criatura marinha que recolhesse os seus tentáculos; queria algo sólido, limpo: um homem (...)»

Um delicioso e irónico excerto d' «A Mulher Comestível», de Margaret Atwood

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Visão celestial

Imagem de Mateusz Piestrak


O som serenamente fresco da noite, em contraste com uma ruidosa inquietação interior. O azul obscuro a entranhar-se nos poros. Sabia bem ter nas veias o bater de asas dos grilos. E estrelas cravadas no cérebro, a iluminarem o olhar. Será que passaria a ter uma visão celestial?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ecos da rua

A petulância não paga imposto, mas pode receber ordem de despedimento. As qualidades de carácter deviam constar no curriculum vitae, em letras gordas (ou, para ser politicamente correcta, em letras bem nutridas).

Cardiologia

Imagem de Omid N.h.



Talvez na sua vida o maior estímulo
Fosse a curiosidade.

Era o motor de tudo: aproximava-se
De todas as mulheres que conhecia,
Mas só lhe interessavam os seus corações.

Cultivava com método essa obsessão
E tal como as crianças costumam fazer
Aos brinquedos preferidos,
Também ele queria vê-los por dentro,
Saber ao certo como funcionavam,
Desfibrar lentamente cada esperança,
Dissecar com um rigor quase científico
Cada angústia ou desejo inconfessável
Até saborear o gosto sempre novo
De cada uma dessas células

Após cada experiência, observava
Aqueles corações já desmontados
E, por não conseguir juntar as peças,
Guardava-as uma a uma no seu peito
Era um lugar seguro
E com tantos pedaços de outras vidas
Na sua pulsação descompassada
Podia enfim acreditar
Que tinha também ele um coração

Fernando Pinto do Amaral

domingo, 14 de setembro de 2008

Olhos de boneca







Não me lembro de ser muito ligada a bonecas. Nunca tive muitas e não lhes senti a falta. Nunca tive Barbies. Talvez, quando pequena, já sentisse pouca afeição pelo artificial, pelo sorriso de miss colado num corpo demasiado longínquo do humano. Da infância guardo apenas duas bonecas. Nenhuma das duas é de plástico. Uma foi oferecida pela avó Nair, a outra por uma amiga.



Hoje, ao ler um trabalho sobre a boneca Blythe, publicado na Pública, dei por mim encantada com aquelas figurinhas de corpo esguio e olhos enormes. São de plástico, sim. Mas há algo nestas bonecas que fascina. Um olhar misterioso e triste, de quem guarda segredos terríveis e dores melancólicas, colado a um rosto de menina com expressão demasiado adulta. Um cruzamento de segurança com vulnerabilidade estampado numa boneca que surgiu há 30 anos, condenada ao fracasso. O revirar de olhos, accionado por um fio colocado na nuca da boneca, fez com que as crianças vissem na Blythe uma inspiração para os pesadelos e não uma companheira de brincadeiras inocentes.



Agora, a Blythe virou brinquedo de adultos. Até eu fiquei com vontade de ter uma. São os olhos, aqueles olhos a pedir abraço e silêncio.



Traço descontínuo

Imagem de Omid N.h.

Na auto-estrada, a solidão não tem limite de velocidade. O coração do outro, um radar falível.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Azul







Respirar fundo e sorver serenidade. Agora, apetecia-me estar neste sítio: Blue Lagoon, na Islândia (agradeço ao Nuno Rodrigues a partilha de tão belas paisagens). Como banda sonora, o tema Rosa, de Rodrigo Leão:
Hoje o céu está mais azul,
Eu sinto
Fecho os olhos, mesmo assim
Eu sinto
O meu corpo estremecer
Não consigo adormecer
Ah, nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor
Hoje o céu está mais azul
Eu sinto
Olho à volta, mesmo assim
Eu sinto
Que este amor vai acabar
E a saudade vai voltar
Ah, nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor
Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia
Não sei como explicar
Mas é mesmo assim o amor

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Vulneráveis





«A família torna-nos vulneráveis». Esta frase, que serviu de remate a um episódio da série Mentes Criminosas, aninhou-se no meu colo. Pediu-me reflexão. Não preciso de olhar pelo buraco da fechadura alheia para anuir com a frase. Nenhuma família está isenta de segredos, hipocrisia ou frontalidade gélida, ódios disfarçados ou assumidos, opressão ou negligência. Todos temos origem numa e a maioria de nós procura criar uma outra, carregando os mesmos defeitos ou virtudes da família de origem, criando novas sombras sobre a luminosidade marital.

A família pode ser aquela imagem bucólica do ninho com os passarinhos de bico aberto a receberem o alimento dos progenitores. Mas também pode pensar-se nas coelhas que rejeitam as crias, quando estas são tocadas por mãos humanas.

Nada é preto e branco no território dos laços de sangue. Os laços podem ser demasiado lassos, duas mãos invisíveis que comprimem a respiração, um abraço terno, uma picota que tira a água do poço para nos saciar a sede, ou para nos lavar as feridas. É no seio da família que surgem as lágrimas mais pesadas e os sorrisos mais primaveris.
A frase «A família torna-nos vulneráveis» lançou-me uma pedra no charco da memória e, no círculo trémulo das referências cinematográficas, emergiram as irmãs Lisbon, em lenta asfixia na casa da família. O filme The Virgin Suicides, de Sofia Coppola, traduz a perigosidade que se esconde no âmago das «boas intenções» dos pais. Quando não há forma de escapar do lar doce lar, pode fugir-se da vida.
Sim, a família pode ser a mão que nos empurra para o precipício, pode ser a mão que nos faz disfarçar os pulsos cortados por debaixo da alegria postiça de umas pulseiras coloridas.





segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Doce e cruel é Setembro

Imagem de Mateusz Piestrak


Estás no verão,
num fio de repousada água,
nos espelhos perdidos
sobre a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas
dos meus anos.
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os
rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão
em ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.


José Agostinho Baptista

domingo, 7 de setembro de 2008

Um parêntesis


«O casamento ou equivalente tem que ter mais coisas e não é nem pode ser o grande reservatório de felicidade»


José Luís Pais Ribeiro, psicólogo e professor da Universidade do Porto, estudioso e conferencista internacional do tema da felicidade e qualidade de vida, em entrevista ao jornal Público (o2/09/2008), afirmou o que muitos pensam, mas receiam admitir, por medo de fugirem ao guião alimentado desde a infância (A Gata Borralheira casou com o príncipe e foram felizes para sempre; a história termina aí...porque o que sobeja é o tédio).

É insano olhar para o casamento como o arco-íris onde se esconde o tesouro da felicidade. Mas, a verdade é que o guião socialmente aceite e imposto persegue-nos. É uma ousadia ter 30 anos e não estar prestes a casar. Principalmente se se for mulher.

E se uma mulher justifica o estado de descompromisso amoroso dizendo preferir estar sozinha por, por exemplo, não ter conhecido um homem suficientemente estimulante do ponto de vista intelectual, ainda se arrisca a ouvir a brilhante frase: quem muito escolhe, pouco acerta. Como se a empatia profunda entre duas pessoas fosse uma escolha e não um bem escasso, uma raridade. Há cabeças que não percebem que uma mulher deseje um homem com quem não se canse de conversar sobre coisas que vão para além da banalidade ou do pragmatismo quotidiano.


«As pessoas nascem numa determinada cultura e desde o princípio aprendem um guião implícito acerca do que é a felicidade. Um dos registos mais prevalecentes nesse guião é acerca da relação dual, da família (e filhos). Há o estereótipo de que a felicidade depende da família a dois, mais especificamente do casamento e filhos. Este estereótipo traz uma grande sobrecarga para a vida do casal e pode ser fonte de infelicidade se essa expectativa não for satisfeita».


«A primeira falha é as pessoas acreditarem, vá lá saber-se porquê, que a felicidade está no casamento, e que o casamento é amor, paixão, intensidade sexual, etc. As relações sociais em geral são importantes, mas não estão marcadas por tanta rigidez como o casamento. O casamento tem associada a sexualidade e a procriação, indispensável nesse guião estereotipado da felicidade. E, no entanto, há pessoas que vivem juntas durante muito tempo, como os irmãos ou amigos, com uma vida frequentemente mais satisfatória do que no casamento».


«Não me parece que seja difícil viver sozinho. A solidão é mais um sentimento do que a realidade. Não se está só porque vivemos sozinhos. As pessoas que habitam no nosso pensamento e que acreditamos que gostam de nós e que estão lá se precisarmos delas são, com certeza, mais importantes do que a multidão que encontramos num bar (...)».


Compromisso de honra: continuar a acreditar no amor, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Continuar a acreditar na poética de duas cabeças que se tocam por dentro, enquanto dois corpos ateiam o fogo primitivo. (O casamento? Isso é apenas um parêntesis)

Liberdade não é pose


Quando alicerçamos a nossa liberdade individual em estereótipos e clichés, esta afunda-se mansamente. Liberdade não é pose. Nem tão pouco ausência de amarras.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


Imagem de Fernando Figueiredo


Nada. Partir do nada, para chegar a nada. Vale a viagem. Os pés descalços, o Verão no asfalto, a poeira a humanizar vidas assépticas. Mulher de coração trincado, as vísceras na travessa. Fome de surpresa. Fernando Pessoa a enlear-me a cintura:

«Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. (…)

O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas. (...)


Monotonizar a existência, para que ela não seja monótona. Tornar anódino o quotidiano, para que a mais pequena coisa seja uma distracção».


Desígnio: fazer deste blog uma distracção.