Primeiro, ofereci a uma amiga «A Espuma dos Dias», de Boris Vian. Agora, emprestei-lhe »A Ordem Alfabética», de Juan José Millás.
Comentário dela, no MSN, após terminar a leitura do livro do Millás: «Tu andaste a ler estes livros surreais na adolescência e depois ficaste "complicadinha". Livra, que não me arranjas um livro em que as personagens vivam felizes para sempre! Este agora foi viver para dentro de uma enciclopédia, eh eh eh».
Começo a levar a sério essa coisa de me dizerem que sou "complicadinha". E só posso anuir com a ideia de que há livros que, quando lidos muito cedo na nossa vida, nos afastam de pessoas, de carne e osso, planas. Começamos a viver com muitas personagens dentro, ainda que esquecidas e apropriadas pela corrente sanguínea. A nossa personalidade vai crescendo em profundidade. A banalidade entedia-nos. A literatura passa a correr-nos no sangue e esperamos dos outros nada menos que uma densidade literária. Passamos a ler os outros, como quem lê um livro. A metafísica abraça-nos.
De cada vez que sangramos, há personagens que choram connosco as mágoas. De cada vez que amamos, queremos inevitavelmente a metáfora, mas mais ainda o abraço, o beijo, o olhar. E a palavra. Tudo bem real, como a pele ou o papel ou o sonhar acordado.
Mais do que me afastar das coisas simples da vida, a literatura ter-me-à preparado para as coisas complicadas deste mundo.
Comentário dela, no MSN, após terminar a leitura do livro do Millás: «Tu andaste a ler estes livros surreais na adolescência e depois ficaste "complicadinha". Livra, que não me arranjas um livro em que as personagens vivam felizes para sempre! Este agora foi viver para dentro de uma enciclopédia, eh eh eh».
Começo a levar a sério essa coisa de me dizerem que sou "complicadinha". E só posso anuir com a ideia de que há livros que, quando lidos muito cedo na nossa vida, nos afastam de pessoas, de carne e osso, planas. Começamos a viver com muitas personagens dentro, ainda que esquecidas e apropriadas pela corrente sanguínea. A nossa personalidade vai crescendo em profundidade. A banalidade entedia-nos. A literatura passa a correr-nos no sangue e esperamos dos outros nada menos que uma densidade literária. Passamos a ler os outros, como quem lê um livro. A metafísica abraça-nos.
De cada vez que sangramos, há personagens que choram connosco as mágoas. De cada vez que amamos, queremos inevitavelmente a metáfora, mas mais ainda o abraço, o beijo, o olhar. E a palavra. Tudo bem real, como a pele ou o papel ou o sonhar acordado.
Mais do que me afastar das coisas simples da vida, a literatura ter-me-à preparado para as coisas complicadas deste mundo.
6 comentários:
Oi Raquel ..já me disseram tantas vezes que sou complicada..que começo mesmo a acreditar que sim :)
beijinhos
Excelente a tua reflexão! Bem visto!
Olá, Raquel.
O mundo ou se conhece através da literatura (narrativa, imaginário, diegese, whatever) ou não se conhece.
Nunca.
Fim de cliché.
Aliás, um nenúfar a crescer dentro de um pulmão, não é assim coisa muito complicada...
Agora até se pode despoetizar. Peniciliza-se.
Complicadinha...
A.
Conclusão interessante.
Proponho uma 3ª via: os livros e a música e restantes densos etceteras encontram os complicadinhos, ao invés de complicarem os descomplicados. Como pensamentos à procura de pensadores, apenas dão uma espécie de forma ao que já lá mora (a ideia de que o mundo é bem mais do que figuras de cartão e cidades com fachadas de cenário). Mas isto não anda assim tão longe da tua reflexão...
ah, como eu te entendo...
e o Meursault que nunca mais me abandonou..
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