Tem havido dor, muita dor. Ver a tristeza, inquietação muda, no olhar da minha mãe. Ver a minha mãe a olhar para um corpo que, pela terceira vez, foi aberto no mesmo sítio. A doença como uma estranha que não pediu licença para entrar numa casa de carne e osso. A doença a esconder-se atrás de cortinas. Até um dia se comportar como elefante em loja de porcelanas. E surpreender. O estilhaço. O rasgão. Os agrafos. A costura.
A dor. A dor está-me a servir para colocar na devida ordem certas miudezas. Impõe-se uma imagem, ainda desfocada. Não vislumbro todos os contornos. Mas, sinto-me a abrir uma gaiola cheia de folhas secas. A sensação de estar na posse de uma gaiola de folhas secas, sabendo que a prisioneira afinal sou eu.
Quero deixar a gaiola vazia, de porta aberta. O tombo das folhas. Húmus.
Há dias, dei por mim a queimar, na lareira, todas as flores secas que encontrei cá em casa. Cada vez me parece mais incompreensível oferecer a alguém arranjos de flores secas. Gosto de ver o desabrochar das flores que a minha mãe tem semeado no jardim. Gosto das flores que, com o frio, adormecem, para voltar a despertar na primavera.
Flores secas estão ao nível do quadro do menino da lágrima. Pior só mesmo baptizar alguém com o nome de Maria das Dores.
7 comentários:
(...) muito profundo,muito belo, muito intimo, daqueles textos que nos apetece abraçar(...)
abracinho.
Miúda um beijinho para ti ...
Muitas são as vezes que somos curados pela dor.
Amiga....Um beijo Grande, muito grande mesmo.
Que a dor tenha, apesar do imenso absurdo que nos pareça, um qualquer significado escondido. Que no limite da nossa imcompreensão, nos ensine, pelo menos, a importância de relativizar pequenos obstáculos.
Partilho contigo o sentimento por flores secas, de plástico, inertes. Sugiro as novas orquideas em vasos com terra. Que as vÊs crescer, evoluir, desabrochar. Um beijo. V.
Tenho sentido o teu silêncio.
Mas estou cá na mesma.
Obrigada, obrigada a todos...pela presença, na distância.
Um beijinho solar para todos
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