Imagem de Eliot Lee Hazel
Fomos almoçar àquele sítio de que não gostas particularmente. Um restaurante com comida bem feita, mas sem espaço para conversas íntimas. Mostraste-me um sms que o teu amor te enviou. Mostraste-me fotos do teu amor, de ti com ele, do beijo que vos coloca uns metros acima do chão. Contaste-me que lhe ofereceste uma carta de amor, no aniversário dele. Coisa em desuso, feita para amores que se querem eternos, como flores secas colocadas no meio das páginas de um livro. Eu tenho um trevo de quatro folhas aninhado nas páginas de «Doidos e Amantes», de Agustina Bessa-Luís. Já o tive no meio do livro «Eu espero...», de Davide Cali e Serge Bloch.
És um nico de gente, de estatura pequena, magrinha, que tenta esconder a feminilidade e sensibilidade no pragmatismo da notícia pura e dura. Eu disse que tentas. A mim não me enganas. Aprendi a ler-te para além da frieza que às vezes atiras para o colo dos que te rodeiam. Não dás confiança a quem não te interessa. Há coisas que lês, nos astros e nos gestos, que te fazem afastar de quem não acrescente interrogações à tua vida.
No final do almoço, disseste que me ias enviar a carta de amor que escreveste numa tarde febril, enrolada num cobertor. E enviaste. O teu amor, ao ler a carta, só podia mesmo ter virado nuvem com ânsias de chuva. E eu, ali, naquele momento em que os meus olhos chegaram ao ponto final do último parágrafo, fiquei comovida. Partilhaste-te comigo, sem medos. Deixaste que te visse despida, que te visse menina-mulher solar. Deixaste-me ver que um homem conseguiu resgatar, em ti, a criança que tu julgavas perdida. Tive a certeza que éramos amigas.
E, por isso, fui ter contigo, à tua secretária, e dei-te um beijo na face espantada.